14 de abril de 2009

Língua Portuguesa: a língua de todos

“Embora a norma padrão, que preconiza o uso correto da língua já esteja se tornando um ideal fossilizado, persiste ela, contudo, não só na idealização de alguns segmentos da sociedade (...) mas em instâncias institucionalizadas, tais como, por exemplo, os variados concursos públicos, necessários a filtragem para mercado de trabalho e conseqüente ascensão social”(MATTOS E SILVA, 1998. p. 4 )

Ultimamente venho trabalhando com Língua Inglesa com alunos do 1º e 2º ano do Ensino Médio, e constantemente ouço pelos cantos da sala “Eu não sei falar nem português, e ela quer que eu aprenda inglês”. A expressão eu não sei falar português, é uma falsa verdade que caiu no senso comum, e por tal, está enraizada, especialmente, na vida dos alunos, que não dominam a norma padrão. Dissuadi-los dessa “verdade” tem sido uma tarefa árdua para professores engajados nas novas concepções lingüísticas, já que grande parte dos profissionais da sala de aula ainda crêem nesta assertiva.

Com base em Mattos e Silva (1998), é possível perceber que o grande problema se encontra na aplicabilidade da norma padrão, defendida por uma pequena minoria e ignorada por muitos falantes em nosso país. Um desses defensores é A. Niskier que questionado sobre os “erros” comuns na Língua Portuguesa, atesta “Erra-se tudo: concordância, regência, pontuação. Nunca vivemos um tempo tão penoso para a língua de Machado de Assis” (apud MATTOS E SILVA, 1998, p. 1) ou “(...) nunca se escreveu e falou tão mal a língua de Ruy Barbosa(...) a indigência vocabular tomou conta da juventude e dos não jovens assim (...)”(apud BAGNO, 2005, p. 21). O que Niskier quer é que a língua se torne estática, uma espécie de “igarapó”, mas o próprio Machado de Assis (1997, p. 27), se diz contrario, afirmando que:

Não há dúvida que as línguas se aumentam e alteram com o tempo e as necessidade dos uso e costumes. Querer que a nossa pare no século de quinhentos, é um erro igual ao de afirmar que sua transplantação para a América não lhe inseriu riquezas novas. A este respeito a influencia do povo e decisiva. Há, portanto, certos modos de dizer, locuções novas, que de força entram no domínio e estilo e ganham direito de cidade.

Assim, o próprio Machado de Assis, tão usado como modelo na busca incessante de idealização da língua, surpreende ao defender como necessária e positiva, a mudança da mesma no tempo. É interessante observar que a língua a que o Sr. Niskier se refere, é uma língua utilizada por escritores do passado, elitizada. Em contrapartida, despreza a língua utilizada nas escolas, nas igrejas, nos barzinhos, nos estádios de futebol, nas fazendas, etc.

Sabe-se no entanto, que todo falante nativo de uma determinada língua, sabe usa-la, isto porque, domina as regras básicas de funcionamento da mesma. Assim, é possível perceber que o falante não usa a meninas dança funk, o mais comum é: as menina dança funk, que de acordo a norma padrão seria correto usar: as meninas dançam funk. Isto revela que, embora o falante não use todas as marcas de plural exigidas pela regra gramatical, ele utiliza o suficiente para pluralizar a frase e levar o seu interlocutor a compreender a informação que deseja transmitir. No entanto. De acordo a norma padrão, a falta de “todas” as marcas de plural leva o falante a incorrer em erro de concordância, sendo por isso estigmatizado e relegado para o nível de “não” falante do português.

Enquanto o português “correto” é falado por uma minoria social e economicamente “privilegiada”, há a outra parcela da população que se divide entre falantes da norma culta e falantes da norma vernácula, que por viver em constante interação, são vistos como caracterizadores da nossa sociedade. De acordo essa idéia, Mattos e Silva apresenta as idéias de Dante Lucchesi, que através de estudos sociolingüístico sobre concordância de número verbo-nominal e nominal mostra que na norma padrão as regras de concordância são categóricas. Na norma culta e na norma vernácula, existem variações, sendo que na norma culta, tem taxas baixas de não aplicação das regras, e a norma vernácula taxas baixas de não aplicação, enfatizando que na norma vernácula o uso varia ainda entre os que tem ou não orientação cultural.

Estas alterações acontecem devido a fatores históricos. Sabe-se que “nossa” língua recebeu influencia de outras línguas: africanas, indígenas, espanhola, francesa, entre outras. E é por razões históricas e culturais que a maioria das pessoas plenamente alfabetizadas não cultivam nem desenvolvem suas habilidades lingüísticas de acordo a norma padrão e/ou culta. Esse é um dos motivos pelos quais ler e escrever não fazem parte da cultura das nossas classes sócias alfabetizadas, como bem lembra, arcos Bagno(2005, p. 107). Com isso fica cada vez mais difícil alcançar o padrão exigido pelos árduos defensores da gramática normativa e da sua aplicação à linguagem cotidiana.

Tudo me leva a pensar nos estudantes, que desconhecendo as discussões em torno da língua, se acham na maioria da vezes, incapazes de aprender tal língua, a língua que falam. Isto porque, tentando manter o controle social, criam mitos e mitos para a nossa língua, dificultando o aprendizado. Esse ensino tradicional que em vez de deixar o falante se expressar livremente para depois “corrigir”, interrompe a expressão de muitos para corrigir os “erros”, levando muitos a se sentirem incompetentes. Desse ponto de vista o ensino que deveria servir para interação, funciona como um carrasco que impossibilita seus falantes de deter o saber, reservando-o a poucos, garantindo com isso, a permanência do poder nas mãos de uns poucos.

Referencia bibliográfica

(não disponível para esta publicação)



Esse texto foi produzido na academia, achei por bem apresentá-lo aqui, mesmo não tratando estritamente de literatura...espero que gostem.....Bjs

6 comentários:

Lindy Cardoso disse...

Oi. É, Pils...já ouvi mta gte por aí dizer o msm q seus alunos, ainda enfatizando q "português é mto difícil!". Me entristeço ao ouvir tais expressões pq a população não distingue LÍNGUA x GRAMÁTICA, pois os gramatiqueiros já os fizeram crer q ambas se tratam da mesma coisa. É uma pena, mas acredito q nós q entendemos as diferenças estamos aptas a mudar essa situação, pelo menos com nossos futuros alunos.

Bj. Amei o texto!

Teobaldo Neto disse...

Adorei seu texto! Muito bom.
Vivemos num país que exalta todo o tempo a sua diversidade cultural e não respeita sua diversidade linguística. O discurso bem organizado é importante, mas não é essencial, até por que no fim só queremos ser entendidos.
Obrigado pelas visitas no blog, é muito bom chegar ao meu espaço e encontrar comentários. Beijos.

Gilbamar disse...

Seu texto, além de culto e inteligente, é lúcido e verdadeiro. De muitos escuto essa assertiva sobre não saber falar o nosso lindo idioma, e fico preocupado por entender que isso vai criando um grande fosso divisório entre o povo condutor da evolução linguística e aqueles que se autodenominam proprietários gramaticais da última Flor do Lácio. Falta levar a esses que se dizem ignorantes da língua pátria e aos pretensos guardiães literários as explicações tão bem tratadas por você.

Se me permitir, passo a ser seu seguidor. Atraiu-me a qualidade de seu blog.

Fraterno abraço de Gilbamar de Oliveira.

fernando oliveira disse...

Paula, uma primeira leitura do teu blog, faz-me notar a qualidade dos teus textos que considero uma obra antropológica, ou melhor, investigadora e historiadora.

Parabéns

Fernando Oliveira

Paula: pesponteando disse...

Lindy: realmente temos q fazer o possível para conscientizar os falantes (nossos futuros alunos kkk, tomara que seja logo)da problemática em torno da língua, especialmente no q se refere aos dialetos e variações, e como o falar implica na visão q a sociedade tem do individuo falante.

Teobaldo: ser entendido é fundamental, essa é grande premissa, diferentemente de qdo entrei na facu, já não acho q as pessoas comentem muitos "erros" gramaticais, me atento ao q elas querem me dizer. no entato sei q quem ñ tem o mesmo conhecimento q nós, provavelmente irá estigmatizar o falante pela forma de falar...o q a meu ver é ridiculo, pois conheço pessoas analfabetas q tem bem mais conhecimento q muitos eruditos, tem o conhecimento prático.

profeta: visitei seu blog e li o poema todo...amei!

Gilbamar: fico lisonjeada com seu comentário...antes de conhecer os estudo em torno da lingua, sempre achei q existiam 3 grupos de pessoas: os q sabiam a gramtica e a aplicavam a sua forma de falar(eram os q tudo sabiam); os q estava estudando e aprendendo a grmatica, q "erravam" algumas vezes e buscavam corrigir o "erro" (eu me enquadrava entre estes);e os q "erravam" sempre e não se procupavam com isso (muitas pessoas q eu conhecia, afinal grande parte do meu grupo social morava na zona rural e jamais tinham frequentado a escola, eu acreditava piamente q por isso elas eram "burras"). Hoje eu sei q todos "erram", até os gramaticos - kkkk - e que desviar-se da norma padrao é normal, e q é graças a esses "devisos" q a nossa lingua deixou de ser o latim falado a muitos seculos atras (falado tbm na regiao do Lácio )e se transformou nessa lingua linda... o Portugues(brasileiro).

Fernando: brigada pelo elogio, ele é uma forma de incentivo q me leva a continuar pesquisando e escrevendo, escrevendo de forma útil...creio eu!

Samia Moraes disse...

Sou uma adoradora da língua portuguesa e da literatura brasileira, por isso, amei o seu blog, vc está de parabéns!
Porém, mesmo sendo adoradora da língua portuguesa, das suas regras gramaticais, não as uso plenamente em meu dia-a-dia e também não as exijo das pessoas com quem convivo. Afinal, as diversas flexões da linguagem são a causa da sua evolução. Além de que as únicas línguas que não sofrem mais modificações são as línguas mortas.

Tornei-me uma ardente seguidora do seu blog!