17 de setembro de 2010

anônimos vendo TV...


Por: Paula Ivony Laranjeira


Este é um blogue voltado para literatura e outras artes, mas em época de eleições, ao ouvir minha mãe se sentir uma completa desconhecida no mundo, resolvi anunciar a todos que existe no sertão nordestino uma senhora linda, de cabelos branquinhos, que tem um tempero maravilhoso, que ainda sabe de cabeça algumas histórias de cordel que ouviu/leu na infância, que tem os filhos mais ciumentos do mundo(em relação a ela) e que é uma sábia. Esta mulher é a minha mãe.

Ontem à noite estava eu, como sempre, sentada em minha “quatro-rodas” com minha mãe (aqui uma baiana que não fala “mainha”) e minha irmã, assistindo ao jornal das sete (na “toda poderosa”) que trouxe um leve comentário sobre ascensão social no país, onde os “pobres lascados”* se tornaram apenas “pobres”, e os “pobres” aprenderam mais uma letra do alfabeto social – aquele que nos divide em classes A,B,C,D,E, F...

Eis que aparece aí nosso primeiro assunto para dialogar: economia. Continuando... com esta mudança segundo eles, veio o crescimento econômico, que por sua vez, aumentou o poder de compra – ou endividamento descontrolado – da população que entre outras coisas, passaram a comprar TVs de tantas polegadas, fininhas, entre outros. Claro, rimos da nossa TV: apenas 20 polegadas, super grossa, sem controle, e que fica desbotada a cada dez minutos, isto por ser ela uma senhora já obsoleta, resquícios do século passado. Mas ainda não vamos trocar a TV. Começamos nesta noite falando da parte para o todo: a nossa casa, a casa do vizinho, e o país.Minha mãe começou falando que ela gosta de comprar à vista ou em parcelas pequenas. E a conversa seguiu. Conclusão: ainda somos “pobres lascados”, mas não temos dívidas.

Continuando a saga... Pasmem, porque nem eu acredito, assisti nesta mesma noite ao programa político. Na realidade, a TV estava ligada, pois ninguém teve coragem o suficiente para se levantar do sofá e expulsar, aqueles que sem convite invadiam nossa casa. Só para frisar, como já disse antes, a TV não tem controle remoto, ou melhor, ele não funciona, e a antena parabólica é tão antiga, que julgo não ter na época, os tais controles sido inventados. Pois bem, voltando ao assunto. Após assistir ao Jornal Nacional, e ver o Willian – tão bonitinho em seu terno e com sua mecha grisalha – apresentando as mazelas políticas – para não dizer outra coisa – e ter ouvido aquelas “maravilhas”: corrupção, quebra de disso, quebra daquilo, desvio para você, nunca para mim, etc. e tal, minha mãe, em toda a sua sabedoria de sertaneja, depois de ouvir algumas super mentiras proferia por alguns daqueles políticos, começou a sua fala: “Esse povo nem sabe que a gente existe. Nós somos uma folha solta no vento, que fica por aí perdida. Eles são as folhas que estão presas na árvore, e nunca se soltam. Estão sempre grudados lá. Nada vem pra gente”.

Minha mãe teve em toda sua vida (quase 70 anos) apenas um mês de estudo. Aprendeu ler, escrever e contar. Ainda criança cuidava dos irmãos, da casa e trabalhou na roça. Depois de casada, trocou os irmãos pelos filhos, e a mesma vida se repetiu. Conheceu a seca extrema; é fruto da falta de escolas; teve seus seis filhos com ajuda de parteiras, pois hospital era coisa que não existia na época; vivenciou os frutos do coronelismo e da ditadura; viu ser dado a ela o direito de voto...

Fico imaginando quantas promessas ela já deve ter ouvido dos políticos. Quantos abusos de poder, quanta falta de respeito para com o cidadão. O tempo passou e ainda convivemos com períodos de seca que nos tira o sono. Para que seus filhos estudassem, ela teve que implorar bolsas de estudo, outra hora vender galinhas para pagar as despesas com educação. Mas nem todos puderam estudar. Coube a mim, mesmo nesta “quatro-rodas”, o privilégio de fazer um curso superior, mas isto porque cheguei bem depois, e ela graças a sua aposentadoria, pode pagar o transporte, visto que a universidade pública fica em outra cidade. Pouco depois de eu ter nascido o hospital foi inaugurado, mas ainda hoje, quase sempre temos que nos deslocar para outras cidades em busca de especialistas. No que se refere à questão do voto, ela votou seguindo a escolha de meu pai. Assim, penso que tenha conquistado um direito de fachada. Se bem, que nos últimos anos, ela de tanto ouvir suas duas filhas falarem de certos candidatos, resolveu fazer suas escolhas sem recorrer a meu pai. Óbvio, que esta parte ele desconhece (risos).

De fato Mel**, eles não sabem que a gente existe! Mas mesmo assim, nós continuamos dando-lhe existência quando os vemos na TV apertando mãos, tomando café em lanchonetes, abraçando e beijando velhos e crianças, pessoas cheias suor, com calos na mão. Nós os ouvimos dizer o quanto lutaram/lutam por nós, ouvimos pessoas chorar declarando a maravilha do fulano e da fulana de tal. Ainda cremos em suas verdades criadas, manipulas e maquiadas por especialistas em marketing. Entretanto, depois que passam as eleições, é a sua verdade que fica, minha mãe. Somos uma massa de esperançosos iludidos e ludibriados que assistem TV.

Quando vou comprar minha TV fininha e de 42 polegadas? Quando é que minha mãe será nacionalmente conhecida?


* expressão não vinculada à matéria do jornal.

** apelido carinho com que chamo minha mãe.

7 de setembro de 2010

Estilingando amores ...na Bahia



BRANDÃO, Alexandre. Amores vagos. Et al. Niterói, RJ: Alternativa, 2010.


Nascido do encontro de amigos, Amores vagos é uma coletânea de quatorze contos que provocam no leitor as mais variadas emoções. Nele, o amor se apresenta com variadas faces.

Como que preparando o leitor, o primeiro conto relata a paixão carnal de uma garota pelos livros, o que pode ser entendido como prenuncio do que acontecerá nas páginas seguintes entre os leitores e o livro. Neste conto é possível encontrar passagens quase eróticas. Vejamos: “Nossos corpos deslizavam, um ao lado do outro, as páginas dele respondiam às pontas dos meus dedos(...)”(p.16), “Um corpo novo a cada mordida da pele do texto, a cada lambidela espalhada sobre o branco, fazendo surgir letras(...)”(p.17) e “(...) sabia das coisas do corpo entre um livro e uma menina (...) o eu e o tu embrenhados em colóquios secretos e profanos(...)”(p.18). Inicialmente me lembrei de Clarice Lispector e o seu Felicidade Clandestina, mas o que lá se configurava em uma grande amizade e veneração da garota pelo livro, aqui se mostra mais carnal, há desejos e uma paixão avassaladora. Será que esse sentimento febril também tomará o leitor em todos os contos do livro? Por certo, pode-se dizer, que não há vontade de parar a leitura. Um conto puxa o outro.

Inicialmente, observei a capa, e fui tentando estabelecer ali minha primeira leitura: a flor, os pássaros e os carrinhos, tudo aliado ao título do livro. Pensei no encontro ou namoro (a flor), seguido pela vida conjugal (os pássaros) e os frutos desse relacionamento, os filhos (os carrinhos). Depois de ler, vi que não estava muito ruim em análise do discurso através das imagens, porém fui além, depois da leitura, nestas relações. O amor em suas várias representações me tocaram, as emoções fluíram.

E que amores são estes? Como percebê-lo? Bem, o amor ora se põe entre “o homem de terno e de guarda-chuva” e “o homem de brinco na orelha” ora entre a avalanche febril de desejos entre Carlos e Fátima. Mas também se faz presente no ciúme amoroso em relação à Filipa, ou melhor, à chegada da nova moradora, Ana Eliza. Se cristaliza nos emocionantes desfechos da vida de Carol e Deyse, que no leitor menos preparado pode cair lágrimas. Num outro canto, se personifica na busca identitária de um nerd em salas de bate-papo. Este amor presente em Amores vagos é mesmo camaleão. Assume formas e caras inquietantes. No escritório, o amor pousa ora numa garrafa de Magnífica ora num pardal. E se faz presente nas “linhas tortas” da vida de Guto, ou na regrada vida de Marcela, que por força de uma terça-feira dá novo rumo à sua vida, tendo que escolher entre Getúlio e Juvenal. E ainda, vai além, volta no tempo, e traz da Idade Média o encanto dos ciganos, as lendas que cercam suas histórias de amor, que no livro realiza em torno de Ariel, o belo homem que leva mulheres a comerem o coração de um rei. Outrora, vai além da vida, na busca incessante de uma explicação bem como da plenitude amorosa vestida em trajes celestiais, onde um nasce por entre o outro. Além disso, causa perplexidade diante da possibilidade de um incesto, como em “Herança”. Mas tanbém se manifesta através do silêncio de uma mulher que se casa para ser uma boca a menos na casa paterna e no silêncio, também, do seu marido traído. E não menor amor é o que se corporifica em Edilamar, que se prostitui para cuidar da mãe e do irmão.

Assim, o que se tem em Amores vagos é um mosaico social das relações humanas (previsíveis, hilárias, comoventes, e principalmente imprevisíveis e inusitadas). O amor aqui se manifesta nas relações entre homem e mulher (do namoro ao casamento, das brigas e dos beijos), mas também no amor fraterno, no amor recíproco entre pais e filhos, nas amizades, na admiração... Nesse sentido, a reunião de amigos para dar forma a um livro, não permite apenas a expressão artística, mas se torna um “lugar” de discussão social daquilo que muitas vezes, está presente em nosso meio. Ao observar a miscelânea tipológica de personagens e enredos, visualizamos o ser humano, e neste a nós mesmos, e descobrimos como nos comportamos diante de cada situação e como o cotidiano nos molda, nos “limita” ou nos prepara surpresas.

Sou o tipo de leitora "cartomante", adoro prever o futuro. Não deu certo! Em cada conto, fui surpreendida. E confesso, o não previsível é muito melhor.

Àqueles que encontrarem este livro em alguma esquina, ou em algum outro lugar, tome-o em suas mãos e boa leitura. Porém, logo depois, estilingue-o em outra direção para que mais pessoas tenham o prazer desta leitura.


Paula Ivony Laranjeira


E falando em amor...


SONETO DE FIDELIDADE-Vinicius de Moraes-


De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.