29 de dezembro de 2010

Entrevista no Palavra Fiandeira

O Marciano Vasques acabou de postar uma entrevista comigo em Seu blog-revista PALAVRA FIANDEIRA.

Quando puderem passem por lá clicando em Palavra Fiandeira


Também lá fiz alguns pespontos...traga também seus retalhos e junte-os aos meus!

28 de dezembro de 2010

voltando...

Dias atrás recebi um e-mail com a música Metade cantada por  Oswaldo Montenegro e tendo como autor Ferreira Gullar, porém há aí um equívoco, pois a autoria da música é do Montenegro. O Ferreira Gullar tem um texto de nome Traduzir-se. Resolvi trazê-los para que vocês possam refletir um pouquinho, se preparando para o Ano vindouro. Ambos os textos são lindos!

METADE - Oswaldo Montenegro-


Que a força do medo que tenho


Não me impeça de ver o que anseio



Que a morte de tudo em que acredito

Não me tape os ouvidos e a boca

Porque metade de mim é o que eu grito

Mas a outra metade é silêncio.



Que a música que ouço ao longe

Seja linda ainda que tristeza

Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada

Mesmo que distante

Porque metade de mim é partida

Mas a outra metade é saudade.



Que as palavras que eu falo

Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor

Apenas respeitadas

Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos

Porque metade de mim é o que ouço

Mas a outra metade é o que calo.



Que essa minha vontade de ir embora

Se transforme na calma e na paz que eu mereço

Que essa tensão que me corrói por dentro

Seja um dia recompensada

Porque metade de mim é o que eu penso mas a outra metade é um vulcão.



Que o medo da solidão se afaste, e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.



Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso

Que eu me lembro ter dado na infância

Por que metade de mim é a lembrança do que fui

A outra metade eu não sei.



Que não seja preciso mais do que uma simples alegria

Pra me fazer aquietar o espírito

E que o teu silêncio me fale cada vez mais

Porque metade de mim é abrigo

Mas a outra metade é cansaço.



Que a arte nos aponte uma resposta

Mesmo que ela não saiba

E que ninguém a tente complicar

Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer

Porque metade de mim é platéia

E a outra metade é canção.



E que a minha loucura seja perdoada

Porque metade de mim é amor

E a outra metade também.

-Do libreto da peça teatral João sem Nome lançado em 1975-

                          
TRADUZIR-SE - Ferreira Gullar





Uma parte de mim

é todo mundo:

outra parte é ninguém:

fundo sem fundo.



Uma parte de mim

é multidão:

outra parte estranheza

e solidão.



Uma parte de mim

pesa, pondera:

outra parte

delira.



Uma parte de mim

almoça e janta:

outra parte

se espanta.



Uma parte de mim

é permanente:

outra parte

se sabe de repente.



Uma parte de mim

é só vertigem:

outra parte,

linguagem.



Traduzir uma parte

na outra parte

— que é uma questão

de vida ou morte —

será arte?


-Na Vertigem do Dia (1980)-

 
Estou de volta....bjs Paula

30 de novembro de 2010

Site Casa Fernando Pessoa




Os livros da Biblioteca Particular de Fernando Pessoa estão disponíveis

gratuitamente, online  no site da Casa Fernando Pessoa.



Até agora, só com uma visita à Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, era possível

consultar este acervo que é riquíssimo. Com o site bilingue (português e

inglês) disponível, em qualquer lugar do mundo, com uma ligação à Internet,

é possível consultar, página a página, os cerca de 1140 volumes da

Biblioteca, mais as anotações – incluindo os poemas que Fernando Pessoa ia

fazendo nas páginas dos livros.



Casa Fernando Pessoa


Já fui lá....

20 de novembro de 2010

Literatura brasileira em preto e branco



Por: Paula Ivony Laranjeira

Embora o fim do tráfico negreiro tenha acontecido em 1850, a abolição em 1888, é somente a partir de 1920 que se trava com mais força, por parte dos afro-brasileiros, a luta por seus direitos e a busca por uma identidade racial em uma sociedade que “negava” a própria existência do preconceito, como bem lembra Jorge Schwartz em Vanguardas Latino-Americanas (EDUSP, 1995). A partir daí, o afro-descendente que se via como objeto assujeitado e quase sempre escravizado, agora tem uma literatura não apenas feita sobre si, ele toma a “pena” e se inscreve como sujeito e escreve para si partindo do seu ponto de vista, e não mais do colonizador. Tal mudança passa a vigorar não somente no Brasil, mas na literatura norte americana, na inglesa e, especialmente, nas produções africanas após o “fim” do colonialismo.
Em 9 de janeiro de 2003 entrou em vigor, a Lei Federal 10639/2003  que torna obrigatória a inclusão do estudo das “Relações Étnico-Raciais e o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana” nas escolas brasileiras. Com isso, há o “descobrimento” e a participação do negro em nossa sociedade. Desta data em diante, ele, o negro, passa a fazer parte da história e a ter uma história a ser repensada, além disso, se reconhece sua contribuição cultural e “até” seus talentos. Se antes ele era sujeito apenas nos campos de futebol e nas rodas de pagode, agora já “pode” ser um sujeito agente e atuante em vários setores da sociedade. Mas é como se a História vestisse nova roupa feita de tecidos rotos e velhos, e o mesmo que aconteceu no passado se repete, e ao invés de uma princesa-fada-madrinha que assina uma lei “dando” liberdade aos homens-escravos-negros brasileiros, no século XXI se fez através de uma lei discutida e votada por deputados magos-padrinhos que enfim dizem: “agora” vocês podem fazer parte da história, “agora” sua cultura, seus costumes, etc. podem ser partilhados.
O que a maioria desconhece é que desde o inicio do século XX os negros e negras deste país, em atos firmes na busca pela própria identidade, a qual foram destituídos ao passar simbolicamente  várias vezes ao redor da árvore do esquecimento, ainda em solo africano, e em seguida, ao atravessar o Atlântico. Porém, a alma negra acompanhou tais sujeitos nos porões dos navios negreiros, e depois de anos acorrentada nos troncos, se auto-proclama livre e ressurge como a fênix, inicialmente através dos movimentos abolicionistas e posteriormente com a Frente Negra Brasileira, com o MNU, com Geledés, o Quilombhoje, o Negrícia, Gens, entre outros movimentos. No entanto, esta era uma luta sem holofotes, sem a mídia, foi o combate “vencido” em gritos abafados, mas lembrem-se, jamais emudecidos.
E é justamente para esta “invisibilidade” que se voltará o olhar neste texto: àquilo que nos foi negado saber e conhecer, mais precisamente à produção literária em que o eu-enunciador negro aflora. Mas é nos autores surgidos a partir da década de 1960 que vamos nos ater, citando-os de forma superficial, só para dar ciência de sua existência e questionar a partir disso sua segregação.    
Ao observar a historiografia da literatura brasileira é possível encontrar autores negros e mulatos destituídos aparentemente de sua identidade, cujo representante mais citado é Machado de Assis, “acusado” de não levantar em seus textos a bandeira contra o preconceito, porém o que se observa é que em suas crônicas, ele lamenta a condição dos escravos, louva os que os libertam e critica os que apóiam o sistema; em alguns dos seus contos há uma postura afro-brasileira, como nos contos Pai contra mãe (1906) e O casa da vara (1899); além disso, em seus romances não aparece o olhar explorador, menos ainda o escravista.
Se temos autores polêmicos em seus discursos, temos também aqueles que tiveram seus discursos “silenciados” por assumirem abertamente na literatura a identidade negra, é o caso de Maria Firmina dos Reis, que em 1859 lança Úrsula, romance em que o negro aparece como sujeito e representante de valores morais; temos também Domingos Calda Barbosa (1738-1800), poeta e violeiro,  além de outros esquecidos e perdidos.
Em 1960, ano em que se inicia a comemoração ao dia da Consciência negra no 20 de novembro, nasce também o internacionalmente conhecido Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus, uma negra favelada que vende em uma semana mais de dez mil exemplares do seu primeiro livro, e na sequência lança Casa de alvenaria e Diário de Bitita. Outra autora com destaque internacional é Aline França, que já está na segunda edição na França com o livro A mulher de Aleduma. No grupo masculino destaca-se Joel Rufino dos Santos, que entre outras produções cita-se O dia em que o povo ganhou e Quatro dias de rebelião, tendo como objetivo reexaminar a posição do negro na história. Há também Romeu Crusoé que em 1951 publica A maldição de Canaã, raridade que constitui o primeiro romance negro da modernidade, além deste tem Filho nativo e negrinho e o inédito Crepúsculo noturno. Porém, este autor vive sozinho e esquecido no Rio de Janeiro.
Outros nomes representativos e atuantes na literatura afro-brasileira, e que vale citar são: Oswaldo de Camargo,  Conceição Evaristo, Oliveira Silveira, Geni Guimarães, Mirian Alves, Éle Semog, Cuti, Esmeralda Ribeiro, Marcio Barbosa, Sacolinha, Celinha (Célia Aparecida Pereira), Cristiane Sobral, Marise Tietra, Jônatas Conceição da Silva,  Adão Ventura, José Carlos Limeira, Elisa Lucinda e tantos outros que publicam desde 1978 nos Cadernos negros, sem contar aqueles que publicam de forma independente.
Depois de elencar tantos nomes que escrevem a partir de um eu-enunciador que se sabe negro e se quer negro, como bem lembra Zilá Bernd, vem a pergunta: Quais destes autores você conhece? Quais deles, depois da lei 10639/2003, estão citados nos livros didáticos? Vale salientar que em um país territorialmente grande, e com uma vasta produção literária como o Brasil, não se é obrigado a conhecer todos os escritores e suas obras. Mas não conhecer nenhum representante de uma literatura voltada a discutir e representar temáticas afro-descendentes é no mínimo, um convite a refletir sobre o espaço para tais autores nas grandes editoras, na mídia, nas escolas e nas universidades. 



Este texto também está disponível em Palavra Fiandeira 

15 de novembro de 2010

"Ars donum Dei est"


Por: Paula Ivony Laranjeira


No Tratado de pintura, Leonardo (apud DIAS DA CRUZ, p.51, 2010) conceitua a pintura "como uma 'poesia muda' que se dá no tempo e no espaço". Na sequência, José Maria Dias da Cruz, contribui para melhor entendimento da questão dizendo que diversas vezes Leonardo aconselha a observância aos mudos para escutar suas vozes, pois "os que não falam nos dizem muitas coisas através de seus olhos e gestos" (p. 51). 
Aqui deixamos o universo das palavras e adentramos o campo da comunicação em que a visão, gesto e expressões corporais transbordam em significados e significações. Ao estar diante de uma escultura, uma tela e/ou uma imagem, automaticamente somos postos diante de uma poesia concreta, muda em palavras, e prenha  de significados. Defronte de um conjunto de cores, imagens e símbolos, o apreciador num gesto de acolhimento pára imóvel, apenas escutando as vozes que ecoam da obra de arte. No caso da arte sacra, contemplando.
 
O trabalho de expressão sacra de Antonio Batista de Souza Junior ultrapassa esse olhar unilateral, pois não há apenas a escuta por parte do observador,  quem defronte ao objeto de arte se coloca,  está se dispondo a ser ouvido, a ser perscrutado. Assim, os objetos de sua pintura, o sagrado, além de inspirar contemplação, “também” contempla. A impressão é de que o divino, ali configurado, se põe em posição de escuta, lendo as expressões, os gestos, as lágrimas do humano-obra-de-arte. Assim, a escuta, no que se refere à arte sacra, se faz recíproca.
Conheci Antônio em 2002, mas ele, um jovem do oeste baiano era apenas o talentoso Junior, que pintava painéis, algumas telas, ornamentava  igrejas, ente outros. Através de amigos em comum fui acompanhando seu trabalho, e cada vez o admirando bem mais. Agora, o rapaz, além das telas, pinta capelas, igrejas e catedral. Trabalho este pode ser apreciado, em maior quantidade, no estado do Paraná, especialmente em Campo Mourão. Mas também pode ser visto em seu site Arte sacra ou em seu livro recém lançado, o Arte sacra.  

Seu trabalho iconográfico – inspiração bizantina – pode ser estranhado num primeiro momento, devido o traçado pouco comum no Ocidente, onde o artista pinta mediante a fé vivida, e sua experiência pessoal com o sagrado é retratada de forma espontânea, possibilitando uma liberdade de estilos no momento de retratar o divino. Já no Oriente, os artistas atem-se ao cânone estabelecido pela igreja, “seguindo os ensinamentos do Mestre Dionísio e, em geral, as determinações da Igreja, buscam reproduzir as mesmas passagens dos Evangelhos, omitindo qualquer experiência ou sentimento pessoal vivido, tratando simplesmente de uma profunda vida de oração, expressando-se no conteúdo dos Evangelhos”[*].
No livro, além das belas imagens, há toda uma preocupação em ligar e explicar a imagem de um ponto de vista teológico. Assim justificadas, se tornam ponte entre o invisível e o imaginado, ou elo indissociável entre a Terra e o Céu. Porém, as palavras são dispensáveis diante do belo e do divino contidos em cada imagem retratada, pois os significados perpassam a mudez inicial, se convertendo num evangelho feito de imagens, chegando até mesmo àqueles que ignoram os códigos linguísticos. Se Jesus no próprio evangelho diz que até “as pedras falarão” (Lc, 19:40) o que dizer de imagens onde o mistério divino e sagrado na fisionomia imaginada de Jesus se faz representado? 

Sobre o artista:






Antonio Batista de Souza Junior nasceu em 12 de julho de 1984 em Angical interior da Bahia. Desde criança vem desenvolvendo habilidades com desenhos. Aos 12 anos faz seu primeiro trabalho de pintura em tela, e seu acervo já ultrapassa as 250 telas em diversos tamanhos e estilos. Tem como preferência as pinturas de rostos em alta resolução, aproximando assim do mais fotográfico e real possível.
O trabalho em afrescos em Igrejas começou a ser aprimorado assim que o padre Sérgio Reis da Diocese de Barreiras-Bahia, o apresentou em 2004, o estilo iconográfico, por ocasião da entrada do artista Antônio Batista ao Seminário. Ao iniciar seus estudos filosóficos em Campo Mourão - PR, o artista teve um maior contato com a Arte Sacra, sua história e valores sacrais. 
 
Em meio aos seus estudos, propostas de pinturas surgiram e, em finais de semana, os painéis eram compostos. Atualmente, o artista dedica-se especialmente a Arte Sacra, e atua em todo o Brasil. Seu portfólio contempla mais de 30 trabalhos realizados em presbitérios e tetos de Igrejas e Capelas, sendo a maior parte delas, no Estado do Paraná. A Catedral de Campo Mourão – PR é a maior obra e até então, a mais significante, dando ao artista maior projeção. 
 
Pintando o teto da catedral

Mas como no trabalho de todo artista, um dos seus trabalhos causou grande polêmica: o painel de São José, que foi pintado com aspecto jovial. Segundo Antônio, o pintou assim por não encontrar registros bíblicos que indicasse ser José um homem de idade avançada. Sobre esta questão ele ainda faz outros acréscimos, justificando o uso de tal imagem na capa do livro.  
 
Catedral de Campo Mourão-PR

Veja também o site no qual expõe outros trabalhos:Telas 

Ao leitor menos avisado, chamo atenção para o fato desta que escreve, não ser perita em artes plásticas, por tal, o julgamento que faço é apenas o do olho que se encanta e da alma que se emociona. Não há o aprofundamento técnico, pois este não sou capaz de fazer.

[*]Trecho retirado e mais detalhes sobre Iconografia em: Ecclesia

22 de outubro de 2010

Forró?



CRÍTICA DE ARIANO SUASSUNA AO FORRÓ, publicada no JORNAL DO COMÉRCIO (Recife) em 31/12/2009.

‘Tem rapariga aí? Se tem, levante a mão!’. A maioria, as moças, levanta a mão. Diante de uma platéia de milhares de pessoas, quase todas muito jovens, pelo menos um terço de adolescentes, o vocalista da banda que se diz de forró utiliza uma de suas palavras prediletas (dele só não, de todas bandas do gênero). As outras são ‘gaia’, ‘cabaré’, e bebida em geral, com ênfase na cachaça. Esta cena aconteceu no ano passado, numa das cidades de destaque do agreste (mas se repete em qualquer uma onde estas bandas se apresentam). Nos anos 70, e provavelmente ainda nos anos 80, o vocalista teria dificuldades em deixar a cidade.

Pra uma matéria que escrevi no São João passado baixei algumas músicas bem representativas destas bandas. Não vou nem citar letras, porque este jornal é visto por leitores virtuais de família. Mas me arrisco a dizer alguns títulos, vamos lá:

*Calcinha no chão (Caviar com Rapadura),
*Zé Priquito (Duquinha),
*Fiel à putaria (Felipão Forró Moral),
*Chefe do puteiro (Aviões do forró),
*Mulher roleira (Saia Rodada),
*Mulher roleira a resposta (Forró Real),
*Chico Rola (Bonde do Forró),
*Banho de língua (Solteirões do Forró),
*Vou dá-lhe de cano de ferro (Forró Chacal),
*Dinheiro na mão, calcinha no chão (Saia Rodada),
*Sou viciado em putaria (Ferro na Boneca),
*Abre as pernas e dê uma sentadinha (Gaviões do forró),
*Tapa na cara, puxão no cabelo (Swing do forró).

Esta é uma pequeníssima lista do repertório das bandas.

Porém o culpado desta ‘desculhambação’ não é culpa exatamente das bandas, ou dos empresários que as financiam, já que na grande parte delas, cantores, músicos e bailarinos são meros empregados do cara que investe no grupo. O buraco é mais embaixo. E aí faço um paralelo com o turbo folk, um subgênero musical que surgiu na antiga Iugoslávia, quando o país estava esfacelando-se. Dilacerado por guerras étnicas, em pleno governo do tresloucado Slobodan Milosevic surgiu o turbo folk, mistura de pop, com música regional sérvia e oriental. As estrelas da turbo folk vestiam-se como se vestem as vocalistas das bandas de ‘forró’, parafraseando Luiz Gonzaga, as blusas terminavam muito cedo, as saias e shortes começavam muito tarde. Numa entrevista ao jornal inglês The Guardian, o diretor do Centro de Estudos alternativos de Belgrado, Milan Nikolic, afirmou, em 2003, que o regime Milosevic incentivou uma música que destruiu o bom-gosto e relevou o primitivismo estético. Pior, o glamour, a facilidade estética, pegou em cheio uma juventude que perdeu a crença nos políticos, nos valores morais de uma sociedade dominada pela máfia, que, por sua vez, dominava o governo.

Aqui o que se autodenomina ‘forró estilizado’ continua de vento em popa. Tomou o lugar do forró autêntico nos principais arraiais juninos do Nordeste. Sem falso moralismo, nem elitismo, um fenômeno lamentável, e merecedor de maior atenção. Quando um vocalista de uma banda de música popular, em plena praça pública, de uma grande cidade, com presença de autoridades competentes (e suas respectivas patroas) pergunta se tem ‘rapariga na platéia’, alguma coisa está fora de ordem. Quando canta uma canção (canção?!!!) que tem como tema uma transa de uma moça com dois rapazes (ao mesmo tempo), e o refrão é: ‘É vou dá-lhe de cano de ferro/e toma cano de ferro!’, alguma coisa está muito doente. Sem esquecer que uma juventude cuja cabeça é feita por tal tipo de música é a que vai tomar as rédeas do poder daqui a alguns poucos anos.

Ariano Suassuna

Este texto foi enviado pelo amigo Téo Junior, professor da Federal de Segipe. Como faz referência a um tipo de arte, resolvi pespontear entre os retalhos desta colcha sempre inacabada...Eita, que deu uma saudade do mestre Luiz...do seu forró poesia musicada...




19 de outubro de 2010

20 de outubro dia do poeta

PEQUENO ESCLARECIMENTO
Os poetas não são azuis nem nada, como pensam alguns supersticiosos, nem sujeitos a ataques súbitos de levitação. O que eles mais gostam é estar em silêncio - um silêncio que subjaz a quaisquer escapes motorísticos e declamatórios. Um silêncio... Este impoluível silêncio em que escrevo e em que tu me lês.

Mario Quintana




AUTOPSICOGRAFIA



O poeta é um fingidor.


Finge tão completamente


Que chega a fingir que é dor


A dor que deveras sente.



E os que lêem o que escreve,


Na dor lida sentem bem,


Não as duas que ele teve,


Mas só a que eles não têm.



E assim nas calhas de roda


Gira, a entreter a razão,


Esse comboio de corda


Que se chama coração.



Fernando Pessoa





Aos amigos poetas e poetisas um grande abraço...Que sejamos sempre contemplados com o sublime e o belo de vossas palavras.






10 de outubro de 2010

A literatura infantil e a criança


Paula Ivony Laranjeira

As crianças são sujeitos agentes e, por tal, críticas e (co)construtoras de seu “universo” tão diferenciado do vivenciado pela lógica adulta, ressignificando assim, a realidade que lhes é apresentada para melhor entendê-la, ou como diria Walter Benjamim, constroem um pequeno mundo inserido no grande. Daí vem sua maneira individualizada de pensar, agir, falar, sonhar, imaginar, criar, e interagir. Sobre esta questão Ferreira reforça:

Ao significar que as crianças não se ‘limitam’ a reproduzir o mundo dos ‘grandes’ à sua escala mas, ‘pelo avesso’, o reconstroem e ressiginificam através de múltiplas e complexas interações com os pares, permite mostrá-las não só como autoras das suas próprias infâncias mas também como actores sociais com interesses e modos de pensar, agir e sentir específicos e comuns, capazes de gerar relações e conteúdos de relação, sentido de segurança que estão na sua gênese como grupo social. Ou seja, com um modo de governo que lhes é próprio, com características distintas de outros grupos sociais, como é o caso dos adultos, mas como quem nunca deixaram de desenvolver relações particulares (2002, p. 59).

Porém, por alguns séculos a criança foi considerada um “adulto em miniatura”, “tábua rasa”, “bibelô”, até que no século XVII, segundo Pilippe Ariès, o infantil surge enquanto faixa etária. E já que o conceito de infância e criança como temos hoje, inexistia, era impossível também que houvesse uma literatura voltada para elas. Assim, a Literatura Infantil surge no momento em que a criança é diferenciada do adulto e tem a necessidade de uma literatura própria que a ajude na composição de sua autonomia enquanto individuo.

Data do século XVII a primeira manifestação da Literatura Infantil, com Perroult e seu Conto maravilhoso ou Conto de fadas: narrativa simples, direta, que usa o mito e o cotidiano familiar para exemplificar comportamentos, com características especificamente voltadas para o imaginário. Aos poucos, como esboça Carvalho (1985), os deuses foram substituídos por heróis, animais miraculosos, personagens que não pertencem ao cotidiano, agindo assim, em tempo e espaço míticos.

Cabe dizer que a Literatura Infantil só tem seu inicio de fato com o surgimento da escola, já que nesta havia a necessidade de livros para inserir seus conceitos ideológicos. Inicialmente no século XVII, muitas criança (de diferentes classes sociais) tem acesso ao mesmo tipo de educação escolar, porém no século XVIII estas crianças são divididas em ricas e pobres, de um lado as aristocratas e burguesas e do outro lado as menos favorecidas, com isso o acesso aos livros foi sendo modificado, ao ponto de restar ás crianças pobres apenas o acesso às histórias folclóricas via oralidade. Vale ressaltar que a escola com a ascensão burguesia passa a ser uma necessidade para a classe emergente ganhar “status” e visibilidade, além disso, esta classe tinha a necessidade de instituir a moral, a religião, o amor à pátria, encarregando a escola de fazer esse papel, “moldando” as novas gerações de acordo seus interesses, e o modo escolhido foi por meio dos livros com histórias infantis, camufladas.

No século XVIII com o Iluminismo, a literatura passa a ser fonte de conhecimento, rompendo assim, com a fantasia dos Contos de fadas, daí seu caráter didático (Fábulas, aventuras, Contos moralistas) como distintivo desta que tinha por principio fazer da criança um adulto intelectualmente formado. Neste século os autores que mais se destacam são: Perroult, Daniel Defoe (aventura do pioneirismo), Hermam Meville (aventura ideológica), Alexandre Dumas (aventura histórica) e Conan Doyle (aventura policial).

Já no século XIX, com o espírito romântico e todo seu idealismo, se reestabelece a fantasia na Literatura Infantil. E se antes a nobreza era destaque absoluto neste mundo literário voltado para as crianças, neste momento, se dá a valorização do popular, da “cor local”. Assim, temos entre suas temáticas mais expressivas: Folclore (Alemanha), Liberalismo (França), Nacionalismo (Itália) e Critica (Inglaterra), sendo seus representantes mais conhecidos: Andersen (lirismo), Lorenzini (caridade, família, nacionalismo), Lewis Carrol (ridicularização), Dickens (miséria, injustiça) e os irmãos Luis Jacob e Guilherme Carlos Grimm.

No que se refere ao Brasil, a Literatura Infantil chega com a Família Real e a criação de escolas, porém sua primeira forma é exercida pelo jornalismo (1831: Jornal O adolescente, 1846: Jornal O mentor da infância, 1870: Jornal Imprensa juvenil, entre outros) e pelas traduções. O primeiro livro para crianças com autor nacional, visto que os livros infantis eram traduções, é publicado no Brasil, segundo Barbara Carvalho (1985) por Alberto Figueiredo Pimentel e se intitula Contos da Carochinha, seguido por outros do mesmo autor.

Posteriormente, Manuel José Gondim Fonseca escreveu o Conto do país das fadas, e vários outros. Ainda se destaca neste inicio Thales de Andrade, que começa a publicar em 1918; Viriato Correa, com o seu Arca de Noé, dentre vários títulos; é possível citar ainda, Erico Veríssimo, Cecília Meireles, Vinicius de Moraes, Lygia Bonjuga, Ruth Rocha, e muitos outros.

Mas de onde surge este tipo de escrita? A Literatura Infantil foi influenciada por obras feita para adultos, por exemplo: As viagens de Gulliver (séc. VXIII) recebeu influência da História verdadeira (séc. II), de Luciano; do Oriente para o Ocidente veio Panchatantra, que da tradução[1] do sâscrito até o espanhol recebeu o nome de Calila e Dimna, o qual influenciou os escritores Esopo e La Fontaine; o Sendebar traduzido para o espanhol como Livro dos desenganos e Assanhamento das mulheres, muito semelhante ao As mil e uma noites, e que na tradução para o espanhol recebeu o nome de Barlaam e Josafá, que por sua vez se identifica com Lalita Visitara (a lenda do príncipe Josafá e a de Buda); a obra de Dom Ruan Manuel (séc. XIV), O Livro do patrimônio ou o livro do Conde Lucan, já influenciado por Calila e Dinma, Sendebar e As mil e uma noites, também influenciou Andersen e Perroult. Outro livro não escrito para crianças e que também influenciou Andersen e Perroult foi o Decameron, de Boccacio. Perroult juntamente com os Irmãos Grimm também foram influenciados pelo Pentameão, de Basile.E os clássicos ainda hoje serve como fonte de inspiração para muitos autores.

Assim, seguindo modelos adultos a Literatura Infantil dá os primeiros passos, mas a caminhada é efetivada com a diferenciação da criança com o adulto, e mais especificamente com a criação da escola. À medida que a sociedade vai mudando seus conceitos filosóficos e ideológicos, também ela, vai se transformando. No século XX, com os novos estudos psicológicos sobre infância e criança, a literatura dedicada a este grupo etário ganha temáticas voltadas para uma ressignificação do mundo interior da criança bem como para estímulos exteriores capazes de lhe causar mudanças comportamentais avigorando sua capacidade de imaginação e criação, buscando assim, contribuir de forma psico-social para a formação destes, além de fomentar a aquisição de conhecimento e/ou cultura. De acordo com SOUZA (1996)

A Criança conhece o mundo enquanto cria, e, ao criar o mundo, ela nos revela a verdade sempre provisória da realidade em que se encontra. Construindo seu universo particular no interior de um universo maior reificado, ela é capaz de resgatar uma compreensão polifônica do mundo, devolvendo, por meio do jogo que estabelece na relação com os outros e com as coisas, os múltiplos sentidos que a realidade física e social pode adquirir.

Por isso, a necessidade de “semear livros” para que as crianças possam atribuir os sentidos que lhes são manifestados durante o mágico encontro com mundos distantes, diferentes, maravilhosos, para que possam desde já conhecer a capacidade da Literatura Infantil em abrir caminhos e alargar nossa visão de mundo, dos mundos.

Assim sendo, uma difusão da leitura que seja realmente democrática é urgente em nosso país, pois os livros têm sido escritos, mas poucos são os leitores, poucos são os incentivadores – no que se refere à família, sociedade e políticas públicas.

A preocupação com o alheamento do homem em relação a natureza e sua natureza interior tem tocado diretamente o mundo da criança. A influência que a cultura exerce através de instruções escolares, da mídia, de valores que incitam o consumo desenfreado, da falta de tempo e espaço para ser criança, tem mudado o foco da leitura e compreensão da essência mais profunda com que cada criança adentra neste mundo literário

O que se observa é que atualmente tem-se formado mais telespectadores do que leitores. Conclusão: cidadãos mais passivos, crianças cada vez gozando menos da infância, lendo cada dia menos, padronizadas, e o pior, portadoras daquilo que Pierra Weil chama de “normose”, ou seja, conjunto de normas, valores, hábitos de pensar e agir, de caráter automático e inconsciente que leva o individuo a considerar normal certos modos de vida, como: não ter tempo livre, não conviver com a família, comer fora de casa (fast-food), crianças sobrecarregadas de atividades, ver todo tipo de programa de TV, iniciar vida sexual precocemente, etc.

Se a Literatura Infantil segue as necessidades da criança, e pensando a criança não mais tão infantil, tão plural, mas padronizadas e já caminhando para tornar-se um adulto precocemente, questiona-se: quais serão as novas características e temáticas da literatura de cunho infanto-juvenil neste século que se inicia? O esperado, depois deste percurso historiográfico, já que as utopias nos fazem ver e viver com esperança é que ela esteja comprometida com a propagação da solidariedade, amor e consciência, dando sentido assim, à nossa existência.


[1] O termo tradução neste contexto se refere ao processo de compilação, comum na época. Desta forma os textos iam sendo modificados, não era uma tradução fiel à obra original.


Este texto também está disponível em: http://palavrafiandeira.blogspot.com/2010/10/palavra-fiandeira-42.html

17 de setembro de 2010

anônimos vendo TV...


Por: Paula Ivony Laranjeira


Este é um blogue voltado para literatura e outras artes, mas em época de eleições, ao ouvir minha mãe se sentir uma completa desconhecida no mundo, resolvi anunciar a todos que existe no sertão nordestino uma senhora linda, de cabelos branquinhos, que tem um tempero maravilhoso, que ainda sabe de cabeça algumas histórias de cordel que ouviu/leu na infância, que tem os filhos mais ciumentos do mundo(em relação a ela) e que é uma sábia. Esta mulher é a minha mãe.

Ontem à noite estava eu, como sempre, sentada em minha “quatro-rodas” com minha mãe (aqui uma baiana que não fala “mainha”) e minha irmã, assistindo ao jornal das sete (na “toda poderosa”) que trouxe um leve comentário sobre ascensão social no país, onde os “pobres lascados”* se tornaram apenas “pobres”, e os “pobres” aprenderam mais uma letra do alfabeto social – aquele que nos divide em classes A,B,C,D,E, F...

Eis que aparece aí nosso primeiro assunto para dialogar: economia. Continuando... com esta mudança segundo eles, veio o crescimento econômico, que por sua vez, aumentou o poder de compra – ou endividamento descontrolado – da população que entre outras coisas, passaram a comprar TVs de tantas polegadas, fininhas, entre outros. Claro, rimos da nossa TV: apenas 20 polegadas, super grossa, sem controle, e que fica desbotada a cada dez minutos, isto por ser ela uma senhora já obsoleta, resquícios do século passado. Mas ainda não vamos trocar a TV. Começamos nesta noite falando da parte para o todo: a nossa casa, a casa do vizinho, e o país.Minha mãe começou falando que ela gosta de comprar à vista ou em parcelas pequenas. E a conversa seguiu. Conclusão: ainda somos “pobres lascados”, mas não temos dívidas.

Continuando a saga... Pasmem, porque nem eu acredito, assisti nesta mesma noite ao programa político. Na realidade, a TV estava ligada, pois ninguém teve coragem o suficiente para se levantar do sofá e expulsar, aqueles que sem convite invadiam nossa casa. Só para frisar, como já disse antes, a TV não tem controle remoto, ou melhor, ele não funciona, e a antena parabólica é tão antiga, que julgo não ter na época, os tais controles sido inventados. Pois bem, voltando ao assunto. Após assistir ao Jornal Nacional, e ver o Willian – tão bonitinho em seu terno e com sua mecha grisalha – apresentando as mazelas políticas – para não dizer outra coisa – e ter ouvido aquelas “maravilhas”: corrupção, quebra de disso, quebra daquilo, desvio para você, nunca para mim, etc. e tal, minha mãe, em toda a sua sabedoria de sertaneja, depois de ouvir algumas super mentiras proferia por alguns daqueles políticos, começou a sua fala: “Esse povo nem sabe que a gente existe. Nós somos uma folha solta no vento, que fica por aí perdida. Eles são as folhas que estão presas na árvore, e nunca se soltam. Estão sempre grudados lá. Nada vem pra gente”.

Minha mãe teve em toda sua vida (quase 70 anos) apenas um mês de estudo. Aprendeu ler, escrever e contar. Ainda criança cuidava dos irmãos, da casa e trabalhou na roça. Depois de casada, trocou os irmãos pelos filhos, e a mesma vida se repetiu. Conheceu a seca extrema; é fruto da falta de escolas; teve seus seis filhos com ajuda de parteiras, pois hospital era coisa que não existia na época; vivenciou os frutos do coronelismo e da ditadura; viu ser dado a ela o direito de voto...

Fico imaginando quantas promessas ela já deve ter ouvido dos políticos. Quantos abusos de poder, quanta falta de respeito para com o cidadão. O tempo passou e ainda convivemos com períodos de seca que nos tira o sono. Para que seus filhos estudassem, ela teve que implorar bolsas de estudo, outra hora vender galinhas para pagar as despesas com educação. Mas nem todos puderam estudar. Coube a mim, mesmo nesta “quatro-rodas”, o privilégio de fazer um curso superior, mas isto porque cheguei bem depois, e ela graças a sua aposentadoria, pode pagar o transporte, visto que a universidade pública fica em outra cidade. Pouco depois de eu ter nascido o hospital foi inaugurado, mas ainda hoje, quase sempre temos que nos deslocar para outras cidades em busca de especialistas. No que se refere à questão do voto, ela votou seguindo a escolha de meu pai. Assim, penso que tenha conquistado um direito de fachada. Se bem, que nos últimos anos, ela de tanto ouvir suas duas filhas falarem de certos candidatos, resolveu fazer suas escolhas sem recorrer a meu pai. Óbvio, que esta parte ele desconhece (risos).

De fato Mel**, eles não sabem que a gente existe! Mas mesmo assim, nós continuamos dando-lhe existência quando os vemos na TV apertando mãos, tomando café em lanchonetes, abraçando e beijando velhos e crianças, pessoas cheias suor, com calos na mão. Nós os ouvimos dizer o quanto lutaram/lutam por nós, ouvimos pessoas chorar declarando a maravilha do fulano e da fulana de tal. Ainda cremos em suas verdades criadas, manipulas e maquiadas por especialistas em marketing. Entretanto, depois que passam as eleições, é a sua verdade que fica, minha mãe. Somos uma massa de esperançosos iludidos e ludibriados que assistem TV.

Quando vou comprar minha TV fininha e de 42 polegadas? Quando é que minha mãe será nacionalmente conhecida?


* expressão não vinculada à matéria do jornal.

** apelido carinho com que chamo minha mãe.

7 de setembro de 2010

Estilingando amores ...na Bahia



BRANDÃO, Alexandre. Amores vagos. Et al. Niterói, RJ: Alternativa, 2010.


Nascido do encontro de amigos, Amores vagos é uma coletânea de quatorze contos que provocam no leitor as mais variadas emoções. Nele, o amor se apresenta com variadas faces.

Como que preparando o leitor, o primeiro conto relata a paixão carnal de uma garota pelos livros, o que pode ser entendido como prenuncio do que acontecerá nas páginas seguintes entre os leitores e o livro. Neste conto é possível encontrar passagens quase eróticas. Vejamos: “Nossos corpos deslizavam, um ao lado do outro, as páginas dele respondiam às pontas dos meus dedos(...)”(p.16), “Um corpo novo a cada mordida da pele do texto, a cada lambidela espalhada sobre o branco, fazendo surgir letras(...)”(p.17) e “(...) sabia das coisas do corpo entre um livro e uma menina (...) o eu e o tu embrenhados em colóquios secretos e profanos(...)”(p.18). Inicialmente me lembrei de Clarice Lispector e o seu Felicidade Clandestina, mas o que lá se configurava em uma grande amizade e veneração da garota pelo livro, aqui se mostra mais carnal, há desejos e uma paixão avassaladora. Será que esse sentimento febril também tomará o leitor em todos os contos do livro? Por certo, pode-se dizer, que não há vontade de parar a leitura. Um conto puxa o outro.

Inicialmente, observei a capa, e fui tentando estabelecer ali minha primeira leitura: a flor, os pássaros e os carrinhos, tudo aliado ao título do livro. Pensei no encontro ou namoro (a flor), seguido pela vida conjugal (os pássaros) e os frutos desse relacionamento, os filhos (os carrinhos). Depois de ler, vi que não estava muito ruim em análise do discurso através das imagens, porém fui além, depois da leitura, nestas relações. O amor em suas várias representações me tocaram, as emoções fluíram.

E que amores são estes? Como percebê-lo? Bem, o amor ora se põe entre “o homem de terno e de guarda-chuva” e “o homem de brinco na orelha” ora entre a avalanche febril de desejos entre Carlos e Fátima. Mas também se faz presente no ciúme amoroso em relação à Filipa, ou melhor, à chegada da nova moradora, Ana Eliza. Se cristaliza nos emocionantes desfechos da vida de Carol e Deyse, que no leitor menos preparado pode cair lágrimas. Num outro canto, se personifica na busca identitária de um nerd em salas de bate-papo. Este amor presente em Amores vagos é mesmo camaleão. Assume formas e caras inquietantes. No escritório, o amor pousa ora numa garrafa de Magnífica ora num pardal. E se faz presente nas “linhas tortas” da vida de Guto, ou na regrada vida de Marcela, que por força de uma terça-feira dá novo rumo à sua vida, tendo que escolher entre Getúlio e Juvenal. E ainda, vai além, volta no tempo, e traz da Idade Média o encanto dos ciganos, as lendas que cercam suas histórias de amor, que no livro realiza em torno de Ariel, o belo homem que leva mulheres a comerem o coração de um rei. Outrora, vai além da vida, na busca incessante de uma explicação bem como da plenitude amorosa vestida em trajes celestiais, onde um nasce por entre o outro. Além disso, causa perplexidade diante da possibilidade de um incesto, como em “Herança”. Mas tanbém se manifesta através do silêncio de uma mulher que se casa para ser uma boca a menos na casa paterna e no silêncio, também, do seu marido traído. E não menor amor é o que se corporifica em Edilamar, que se prostitui para cuidar da mãe e do irmão.

Assim, o que se tem em Amores vagos é um mosaico social das relações humanas (previsíveis, hilárias, comoventes, e principalmente imprevisíveis e inusitadas). O amor aqui se manifesta nas relações entre homem e mulher (do namoro ao casamento, das brigas e dos beijos), mas também no amor fraterno, no amor recíproco entre pais e filhos, nas amizades, na admiração... Nesse sentido, a reunião de amigos para dar forma a um livro, não permite apenas a expressão artística, mas se torna um “lugar” de discussão social daquilo que muitas vezes, está presente em nosso meio. Ao observar a miscelânea tipológica de personagens e enredos, visualizamos o ser humano, e neste a nós mesmos, e descobrimos como nos comportamos diante de cada situação e como o cotidiano nos molda, nos “limita” ou nos prepara surpresas.

Sou o tipo de leitora "cartomante", adoro prever o futuro. Não deu certo! Em cada conto, fui surpreendida. E confesso, o não previsível é muito melhor.

Àqueles que encontrarem este livro em alguma esquina, ou em algum outro lugar, tome-o em suas mãos e boa leitura. Porém, logo depois, estilingue-o em outra direção para que mais pessoas tenham o prazer desta leitura.


Paula Ivony Laranjeira


E falando em amor...


SONETO DE FIDELIDADE-Vinicius de Moraes-


De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

29 de agosto de 2010

Entrevista com José Maria Dias da Cruz

Por: Paula Ivony Laranjeira

O artista plástico José Maria Dias da Cruz, de 74 anos, autor de livros sobre arte, lecionou de 1983 a 1986 no Museu de Arte Moderna (RJ) e de 1987 a 1999 na Escola de Artes Visuais do Parque Lage (RJ) além disso, fez várias exposições. Desde a infância demonstrou interesse pelo mundo das arte, e graças a seu pai, o escritor Marques Rebelo, conviveu com mestres como Pancetti, Milton da Costa, Iberê Camargo, Tarsila do Amaral e Di Cavalcanti. Mas é o francês Paul Cézanne, que fortemente marca sua vida e seu trabalho. Deste vem as inquietações que movem seu estudo sobre o uso da cor. Mas tal influência também pode ser vista em seus quadros, claro rompimento com o convencional, sem no entanto, perder a suavidade além de ar poético. Nesta entrevista ele fala da sua trajetória, dos seus estudos e nos apresenta um pouco do seu trabalho. Vale conferir.

PILS- Como nasceu o artista plástico José Maria Dias da Cruz?

JMDC- Gostaria de começar esta entrevista com um quadro que marcou o início de meu projeto plástico na década de sessenta. Foi somente na década de noventa que um amigo meu, BobN, ex-aluno, depois meu assistente no Parque Lage, que a imagem do quadro(abaixo) começou a circular, pois ele a colocou na Internet.

Vamos então para as respostas.

Perde-se, pelo tempo, na minha memória. Eu era ainda muito criança e já desenhava compulsivamente. Na casa de meu pai não me faltava papel. Sempre que podia ia para a cidade mineira de Cataguases e ficava na casa de Francisco Inácio Peixoto, um dos fundadores da Revista Verde, em 1927, e fiz da família dele uma extensão da minha. O problema era lá encontrar papel suficiente. Usava, então, as folhas em branco dos livros da biblioteca dele. Aos 12 anos comecei a economizar o dinheiro. Ia a pé para o colégio para economizar. Comprei então as primeiras tintas a óleo e pintei meu primeiro quadro. Tudo foi feito em segredo infantil, pensava eu, mas claro, tanto o meu pai como o Peixoto até que me incentivavam.

PILS- José, o que acontece quando você tem em frente aos olhos uma tela em branco? Em que momento há o vislumbrar da fusão de cores ou imagens?

JMDC- Quando tenho uma tela em branco à frente o quadro já está pronto em minha cabeça. Gosto mais de pensar do que propriamente pintar.

PILS- Como você definiria a cor? Ela é aquilo que vemos ou há algum mistério em sua configuração?

JMDC- Como diz o filósofo Maturana, vemos o que não vemos. Daí Klee ter dito que o pintor torna visível o que se esconde. O mais complexo é que a cor não se deixa racionalizar, não obstante nos permite pensar inserida numa lógica nada absurda. Entretanto em relação a ela sentimo-nos limitados, pois além do mais ela é enigmática.

PILS- Em nossas conversas, você falou algumas vezes sobre seu objeto de estudo, Cézanne. Como nasceu o interesse por este artista?

JMDC- Desde cedo ficava horas tentando compreender um quadro. Tanto o meu pai como o Peixoto tinham bons livro sobre artes plásticas. Cézanne me intrigava, pois não o compreendia. Somente quando fui estudar em Paris com Emílio Pettoruti que ele me vez ver o que não compreendia, sem, contudo, me dar uma explicação convincente. Daí veio a paixão. Fez-me ver também outros pintores, como Ticiano, Poussin, Chardin, e Braque. Pettoruti também me mostrou como eram fracos como pintores artistas que eram considerados gênios, como Matisse e Picasso. Este último hoje inclusive é uma grife. Mostrou-me, em compensação, Braque, este artista ainda tão pouco estudado. Além de pintor foi também um intrigante pensador. Os pensamentos de Braque marcaram-me muito.

PILS- Fale-nos um pouco sobre Cézanne.

JMDC- Comecei a estudá-lo cedo, mas não o compreendia. É um artista muito complexo. Há uma frase de Cézanne na qual ele diz que devemos “Tratar a natureza através do cone, da esfera e do cilindro [...].” Nas histórias das artes se substituía o cone pelo cubo. Levei tempo para entender que realmente não poderia se basear no cubo, pois ele disse que no espaço todos os objetos são convexos, o que excluiu, naturalmente, o cubo que é ortogonal. A distorção da frase do Cézanne incluindo o cubo, entretanto, fez fortuna. Até uma escola foi criada, o cubismo, que acaba reforçando a idéia de que Cézanne considerava realmente o cubo e por extensão às formas. Outras frases dele me intrigavam. Uma na qual ele diz que “a luz não existe para o pintor, tem que ser substituída por uma outra coisa, a cor.”. Comecei a entender o porquê de seu rompimento com os impressionistas. Tem mais, ele dizia que à medida que a cor se harmoniza, mais a forma se precisa. Comecei a estudá-lo mais e intrigou-me uma outra frase dele na qual dizia que somente um cinza reina na natureza. Foi somente em 1986 que compreendi esse cinza o qual denominei de sempiterno. Comecei, então, a pensar em uma teoria das cores que descartava essa que se baseia em um círculo cromático que considera as cores com valores absolutos e as classifica em primária, secundária, etc. Percebi que este cinza é um pós ou pré-fenômeno, causa e efeito dos coloridos. Aliás, como observou Rilke, ele não existe. Eu digo que se manifesta na natureza. Compreendi que Cézanne estava fundando um outro olhar para as cores e que pensava no rompimento do tom, isto é, não o considerando como apenas misturas pigmentares, estas observadas por Duchamp quando denunciou a pintura retiniana. Observando as cores percebi que as pós-imagens alteravam no tempo a tonalidade das respectivas cores. Acabei compreendendo que há a cor abstrata substantiva, que é uma idéia platônica e estática, que subsiste por si só, e a cor concreta adjetiva, que está sempre se rompendo e que sua condição é ser no colorido. Mas Cézanne disse que era um primitivo pelas coisas novas que descobrira. Hoje creio que temos muito que estudá-lo. Ele antecipou muitas descobertas científicas, como a teoria do caos, os fractais e certamente outras geometrias que hão de vir. Uma geometria das cores, talvez. Deve-se aqui acrescentar que o mestre de Aix nunca pensou em pintar quadros que fossem ilustrações de teorias científicas. Vale até citarmos um pensamento de Braque; “A arte sobrevoa, a ciência anda apoiada.”

PILS- José, seu primeiro livro, A cor e o cinza, foi uma produção independente. Como você ver o setor editorial para publicação de livros voltados à arte?

JMDC- Hoje, felizmente no Brasil tem-se publicado muitos livros de arte de boa qualidade com os incentivos fiscais. Mas para o me primeiro livro não consegui esse patrocínio, eu mesmo tive que bancá-lo. Já o que recentemente publiquei sobre o cromatismo cezanneano foi através da Fundação Catarinense de Cultura, o que me permitiu uma edição bem mais acurada.

PILS- O que o leitor encontrará em A cor e o cinza?

JMDC- Tanto esse, como no recém publicado, são livros inconclusos. Espero que anime outros artistas a estudarem uma série de questões que eu ainda estou pensando. Sobretudo o recalque da cor na cultura ocidental que se acentuou muito na contemporaneidade. Felizmente alguns críticos, historiadores da arte e artistas estão revendo essa questão.

PILS- Em 1996 numa enquete realizada pelo Jornal do Brasil entre críticos, colecionadores e artistas, você foi citado entre os 70 artistas brasileiros mais importantes do século XX. Qual a importância desse reconhecimento para o artista José Maria Dias da Cruz?


JMDC- Senti um peso, uma responsabilidade. Te confesso que não me envaideceu muito. Há tanta coisa ainda que estudar! Devo acrescentar que nas décadas de 60, 70 e 80 a crítica foi muito hostil com meu trabalho. Chegaram até escrever em um jornal de grande circulação que “inteiramente fora de propósito, equivocada e sem sentido é a pintura de José Maria Dias da Cruz.” Hoje na minha idade, chegando aos 75 anos em setembro, até penso como Cézanne; “Por que tão tarde, por que tantos sacrifícios?"


PILS- Desde a infância você convive com várias formas de manifestações artísticas:, Artes plásticas, literatura música...Como é crescer e se tornar artista neste país em que à grande maioria é negligenciada uma boa formação cultural? Você acredita que isso é um fator que contribui inversamente para a “proliferação” de bons representantes e frutos das artes e artistas?

JMDC- Creio que devemos pensar como ainda a educação neste nosso país é um problema gravíssimo. Professores mal pagos, projetos educacionais mal formulados. O mesmo acontece na área da cultura. Há ainda esse neo-liberalismo que através da mídia nivela tudo por baixo. Mas felizmente há bons artistas que compreendem bem essa deplorável situação, mesmo que marginalizados.

PILS- Observando um pouco da sua produção (pintura, livros, textos e entrevistas), vejo que há uma constante: Marques Rebelo. Você poderia nos dizer quem foi Marques Rebelo (1907-1973).

JMDC- O fato é que escritores do porte de Graciliano Ramos, Antônio Houaiss, João Cabral de Melo Neto, Millôr Fernandes, e poucos outros o consideravam melhor que Machado de Assis. Há provas. Claro, não somente como pai me influenciou. Tive um professor de pintura, Aldary Toledo, que me disse que se aprende pintura lendo-se poesia até mais do que somente livros teóricos. Além do mais Marques Rebelo foi uma pessoa que na década de 40 muito fez para a difusão das artes plásticas moderna no Brasil. Graças a ele uma primeira grande exposição de artistas modernos brasileiros saiu do Brasil e percorreu alguns países da América do Sul. Dela surgiu o primeiro livro de um crítico estrangeiro, o argentino José Romero Brest, analisando nossa produção artística moderna. Isso em 1945. Também fundou vários museus de arte moderna. O Museu de Santa Catarina foi o primeiro a ser fundado de fato em 1948. O de São Paulo foi criado de direito, uma vez que foi registrado em cartório. De fato só passou a funcionar em 1949.

PILS- José, as obras do seu pai, o Marques Rebelo, estão sendo reeditadas pela editora José Olympio. Gostaria que você esclarecesse por que um escritor do nível dele ficou tanto tempo com os livros sem novas edições? E como está sendo recebida pelos leitores as novas edições dos livros do Rebelo?

JMDC- Por uma fatalidade um advogado psicopata se apropriou dos bens da família logo que meu pai morreu. A família ficou impedida de editá-lo, pois não possuía a documentação necessária. Mas eu sempre, contratando advogados, consegui que algo fosse publicado. Agora a Editora José Olimpio vai editar as obras completas de Marques Rebelo. Assim as novas gerações estão redescobrindo-o. Fiz muito por isso. Digo até mais. Procuro em meus trabalhos recuperar escritores e pintores que estão totalmente esquecidos. É o caso do escritor Cornélio Pena ou o pintor Martinho de Haro, por exemplo.

PILS- Quando se fala em arte, um conjunto variado de produções (música, literatura, as artes plásticas, a dança...). Por mais distintas que sejam, sempre encontramos a intersecção e/ou junção destes elementos em algumas obras. Em seu trabalho, há espaço para esta fusão de elementos? Como?

JMDC- Isso é uma característica da arte contemporânea. Apesar de ser um artista, como costuma-se dizer, pintor de carteirinha, já expus utilizando-me de vídeos, do espaço cibernético, dialogando com obras de outros artistas, etc.

Tem ainda os meus desenhos que denomino assemblages de poesia e pintura. Há questões plásticas que o discurso verbal não dá conta. Segue abaixo um exemplo. Nele procuro mostrar como descartei um círculo cromático absoluto e como compreendo o rompimento do tom. (clique na imagem para ampliar)


PILS- Recentemente você publicou o seu segundo livro. O Cromatismo Cezannano. Gostaria que você falasse sobre ele. Como nasceu este livro?

JMDC- Como disse acima, começo a pintar depois de ter o quadro quase já pronto em minha cabeça. Para isso costumo fazer várias anotações, croquis, etc. Um dia percebi que eram tantas as anotações que resolvi organizá-las. Daí surgiu a idéia de publicá-las, como extensão de minha obra. Surgiram algumas edições do primeiro, A cor e o Cinza. O Cromatismo cezanneano é uma continuação

PILS- Em Cromatismo Cezanneano, você aborda duas questões: o serpenteamento e o cinza sempiterno. Como poderemos entender essas questões?

JMDC- primeiro vou falar sobre o serpenteamento. Desde cedo, adolescente ainda, um livro me fascinava: era o Tratado da Pintura do Leonardo. Aqui abro um parêntesis. Até hoje não compreendo porque esse livro é pouco estudado nas escolas de arte. Noto que é muito mais estudado nas faculdades de filosofia. Enfim... Continuemos. Nele há uma frase que me intrigou. “Devemos observar com muito cuidado os limites de cada corpo e o modo como serpenteiam para julgar se suas voltas participam de curvaturas circulares ou concavidades angulares.” No princípio não compreendi nada, mas uma coisa me pareceu claro. Leonardo estava pensando muito mais sobre os limites dos corpos como uma questão bem complexa, e não o que se lia nas histórias das artes, ou seja, que ele introduziu o esfumato na pintura. Esfumato é apenas um procedimento. Com as minhas anotações e estudos comecei a compreender que Leonardo, ao contrário de Van Eyck no quadro O casal Arnolfini, não estava interessado em um espaço remoto, mas mostrar como uma burguesia ascendente via o mundo, ou seja, o espaço imediato. Daí ter compreendido o serpenteamento como o resultado que Leonardo encontrou para resolver uma questão de perspectiva biocular e qual era a visão de mundo dessa classe social ascendente na qual o ideal substituiu a fé. Isso me levou a estender o serpenteamento para todo o espaço plástico.

Sobre o cinza sempiterno diria que começou quando procurei entender melhor uma frase de Cézanne na qual ele diz que “somente um cinza reina na natureza, mas alcançá-lo é de uma dificuldade espantosa.” Claro, não se refere às misturas pigmentares do branco e preto. Comecei, então, a compreender que Cézanne estava nos apontando para a necessidade de revermos as teorias cromáticas baseadas no espectro da luz. Isso me levou e pensar em uma outra teoria cromática. Descartei totalmente o círculo cromático construído a partir das descobertas de Newton. Isso me permitiu compreender um pouco melhor que a cor concreta adjetiva tem uma dimensão temporal.

Vale aqui observar o que Hélio Oiticica afirmou: “Há uma questão importante a ser pensada na pinura (sic): a cor.”

PILS- Você traz em ainda neste livro uma observação sobre o olho. “É na convivência dos olhos com as formas e os coloridos do quadro que o espaço plástico se constrói de uma forma bastante dinâmica. Falando-se assim parece uma coisa muito difícil, mas não é. Depende do saber do olho”. Discorra um pouco sobre o olho e sua importância nas artes plásticas.

JMDC- Podemos começar citando algumas frases. Essa do Leonardo; “O olho é a janela da alma.” Ou essas anotações de Wittgenstein que estão no Tractadus Lógico-philosophicus:

“5,633 Onde no mundo se há de notar um sujeito metafísico?

Tu dizes que aqui se está inteiramente como diante do olho e do campo visual, mas tu não vês realmente o olho. “E não há coisa no campo visual que leve à conclusão de que é vista por um olho.”

Uma outra do poeta Michael Palmer; “As diversas distâncias entre o olho e pálpebra.”

Estão aqui algumas questões que ainda terei muito que pensar. Sobretudo considerando o que Maturana afirmou e que acima citei: “Vemos o que não vemos.”

Ao menos podemos afirmar o quanto os pintores têm ainda que estudar.

PILS- O que motiva e/ou inspira o artista plástico, o escritor e estudioso José Maria Dias da Cruz?

Diria que sem a pintura minha vida perderia totalmente o sentido. É uma questão de sobrevivência e, por conseqüência, ética e estética. Aqui tenho que ressaltar que pintar para mim não é estar com um pincel à mão com uma tela à frente. È, sobretudo, pensar. Procurar uma outra lógica que nos permita entender os vários níveis de realidade e percepção. E mais. Entender o que Cézanne afirmou: “A arte é uma religião.”

Para terminar um outro quadro, este recente: “Observando uma maria-sem-vergonha, ou vários caminhos para o infinito.”


José Maria mantém ainda um blog em que seu trabalho e estudo podem ser conferidos: www.dacornapintura.blogspot.com