15 de novembro de 2010

"Ars donum Dei est"


Por: Paula Ivony Laranjeira


No Tratado de pintura, Leonardo (apud DIAS DA CRUZ, p.51, 2010) conceitua a pintura "como uma 'poesia muda' que se dá no tempo e no espaço". Na sequência, José Maria Dias da Cruz, contribui para melhor entendimento da questão dizendo que diversas vezes Leonardo aconselha a observância aos mudos para escutar suas vozes, pois "os que não falam nos dizem muitas coisas através de seus olhos e gestos" (p. 51). 
Aqui deixamos o universo das palavras e adentramos o campo da comunicação em que a visão, gesto e expressões corporais transbordam em significados e significações. Ao estar diante de uma escultura, uma tela e/ou uma imagem, automaticamente somos postos diante de uma poesia concreta, muda em palavras, e prenha  de significados. Defronte de um conjunto de cores, imagens e símbolos, o apreciador num gesto de acolhimento pára imóvel, apenas escutando as vozes que ecoam da obra de arte. No caso da arte sacra, contemplando.
 
O trabalho de expressão sacra de Antonio Batista de Souza Junior ultrapassa esse olhar unilateral, pois não há apenas a escuta por parte do observador,  quem defronte ao objeto de arte se coloca,  está se dispondo a ser ouvido, a ser perscrutado. Assim, os objetos de sua pintura, o sagrado, além de inspirar contemplação, “também” contempla. A impressão é de que o divino, ali configurado, se põe em posição de escuta, lendo as expressões, os gestos, as lágrimas do humano-obra-de-arte. Assim, a escuta, no que se refere à arte sacra, se faz recíproca.
Conheci Antônio em 2002, mas ele, um jovem do oeste baiano era apenas o talentoso Junior, que pintava painéis, algumas telas, ornamentava  igrejas, ente outros. Através de amigos em comum fui acompanhando seu trabalho, e cada vez o admirando bem mais. Agora, o rapaz, além das telas, pinta capelas, igrejas e catedral. Trabalho este pode ser apreciado, em maior quantidade, no estado do Paraná, especialmente em Campo Mourão. Mas também pode ser visto em seu site Arte sacra ou em seu livro recém lançado, o Arte sacra.  

Seu trabalho iconográfico – inspiração bizantina – pode ser estranhado num primeiro momento, devido o traçado pouco comum no Ocidente, onde o artista pinta mediante a fé vivida, e sua experiência pessoal com o sagrado é retratada de forma espontânea, possibilitando uma liberdade de estilos no momento de retratar o divino. Já no Oriente, os artistas atem-se ao cânone estabelecido pela igreja, “seguindo os ensinamentos do Mestre Dionísio e, em geral, as determinações da Igreja, buscam reproduzir as mesmas passagens dos Evangelhos, omitindo qualquer experiência ou sentimento pessoal vivido, tratando simplesmente de uma profunda vida de oração, expressando-se no conteúdo dos Evangelhos”[*].
No livro, além das belas imagens, há toda uma preocupação em ligar e explicar a imagem de um ponto de vista teológico. Assim justificadas, se tornam ponte entre o invisível e o imaginado, ou elo indissociável entre a Terra e o Céu. Porém, as palavras são dispensáveis diante do belo e do divino contidos em cada imagem retratada, pois os significados perpassam a mudez inicial, se convertendo num evangelho feito de imagens, chegando até mesmo àqueles que ignoram os códigos linguísticos. Se Jesus no próprio evangelho diz que até “as pedras falarão” (Lc, 19:40) o que dizer de imagens onde o mistério divino e sagrado na fisionomia imaginada de Jesus se faz representado? 

Sobre o artista:






Antonio Batista de Souza Junior nasceu em 12 de julho de 1984 em Angical interior da Bahia. Desde criança vem desenvolvendo habilidades com desenhos. Aos 12 anos faz seu primeiro trabalho de pintura em tela, e seu acervo já ultrapassa as 250 telas em diversos tamanhos e estilos. Tem como preferência as pinturas de rostos em alta resolução, aproximando assim do mais fotográfico e real possível.
O trabalho em afrescos em Igrejas começou a ser aprimorado assim que o padre Sérgio Reis da Diocese de Barreiras-Bahia, o apresentou em 2004, o estilo iconográfico, por ocasião da entrada do artista Antônio Batista ao Seminário. Ao iniciar seus estudos filosóficos em Campo Mourão - PR, o artista teve um maior contato com a Arte Sacra, sua história e valores sacrais. 
 
Em meio aos seus estudos, propostas de pinturas surgiram e, em finais de semana, os painéis eram compostos. Atualmente, o artista dedica-se especialmente a Arte Sacra, e atua em todo o Brasil. Seu portfólio contempla mais de 30 trabalhos realizados em presbitérios e tetos de Igrejas e Capelas, sendo a maior parte delas, no Estado do Paraná. A Catedral de Campo Mourão – PR é a maior obra e até então, a mais significante, dando ao artista maior projeção. 
 
Pintando o teto da catedral

Mas como no trabalho de todo artista, um dos seus trabalhos causou grande polêmica: o painel de São José, que foi pintado com aspecto jovial. Segundo Antônio, o pintou assim por não encontrar registros bíblicos que indicasse ser José um homem de idade avançada. Sobre esta questão ele ainda faz outros acréscimos, justificando o uso de tal imagem na capa do livro.  
 
Catedral de Campo Mourão-PR

Veja também o site no qual expõe outros trabalhos:Telas 

Ao leitor menos avisado, chamo atenção para o fato desta que escreve, não ser perita em artes plásticas, por tal, o julgamento que faço é apenas o do olho que se encanta e da alma que se emociona. Não há o aprofundamento técnico, pois este não sou capaz de fazer.

[*]Trecho retirado e mais detalhes sobre Iconografia em: Ecclesia

4 comentários:

Anônimo disse...

Querida Paula,
Sinto-me emocionada pelo maravilhoso texto. Junior está felicíssimo com suas palavras.
Acredito que todas elas saíram do mais profundo do seu ser. Tenho certeza que se os pais estivessem ainda nesse plano, não se conteria de satisfação.
Em nome dos angicalenses, agradeço o carinho com que tens atribuído ao trabalho do nosso artista.
Bjs

Lindy Cardoso disse...

O pouco contato que tive com as imagens apresentadas no livro foi mágico, como vc diz: "prenha de significados". Acrescento: múltiplos significados, muito nos dizem.
Também não sou "expert" neste assunto, mas vejo que não é necessário entender dos tecnicismos artísticos diante de uma obra de arte como esta. Admirá-la e deixar-se ser conduzido pelas suas "n" significações é que é imprescindível.
Adorei ler o texto, ver as imagens e, por fim, uma observação que os demais visitantes do seu blog poderão também perceber: Em uma das imagens o artista pinta o teto de uma catedral. Notei que o andaime é bem próximo do teto, possivelmente para não faltar nenhum detalhe, e, assim, o artista tem que em um momento e outro pintar "ajoelhado". Associo o trabalho de ARTE SACRA com o respeito de ajoelhar-se para realizar tal atividade. É mais uma prova de que não é uma pintura qualquer, é uma pintura iluminada pelos olhos de Deus.

Bjs.

Penélope disse...

Você não perde tempo Paulinha, quando posta, o faz pra valer.
Para mim a pintura é tão mágica quanto a poesia.
Abraços

Tenho mais uns cantinhos passa pra visitar quando der. Fica aqui os links

http://reinodacrisalida.blogspot.com
http://marazade.blogspot.com
http://httplardocelarblogspotcom.blogspot.com

isso mesmo o link do lar ficou esse mesmo. É estranho, mas é esse.
Quando der me visite, será uma honra recebê-la

Tais Luso de Carvalho disse...

Que bela postagem, Paula! Este artista Antonio eu conheço e admiro muito.
Arte Sacra é a minha paixão, não que eu seja muito religiosa, mas acho divina a sua beleza estética; e afinal de contas quase todos nós fomos educados dentro do catolicismo, o que sempre nos deixa meio filhos desta arte. E os grandes pintores renascentistas retrataram de maneira magnifica a história da igreja católica, com seus santos, anjos e Cristo.

beijão.