Entre as impressionantes mudanças ocorridas no Brasil, há uma que mereceria um estudo especial, quem sabe até uma tese de mestrado ou doutorado. Nos últimos anos, descobrimos os números, o que é uma verdadeira revolução para um país que, durante muito tempo, acreditava sobretudo na retórica, nas palavras, domínio de uns poucos privilegiados. Agora, não. Agora, passamos a ter como divisa a frase do cientista Lord Kelvin, segundo a qual tudo que é verdadeiro deve ser expresso em algarismos. Todos os dias recebemos pela mídia uma verdadeira enxurrada numérica, indicadores econômicos, sociais, de saúde. E disso resultam também rankings, lista dos melhores estados, ou municípios, classificados pelo sucesso obtido em áreas que vão desde a produção industrial até o nível educacional.
Nessas várias listas há uma trinca constante, formada por Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Distrito Federal. Peguem, por exemplo, a expectativa de vida, o número de anos que podemos esperar viver. Em primeiro lugar estão o Distrito Federal e Santa Catarina, com 75,8 anos, e logo em seguida, o RS, com 75,5 anos. Tomem a mortalidade infantil. Por causa da fragilidade das crianças, esse é, infelizmente, o indicador clássico para avaliar a situação de saúde. Pois nos quatro melhores estados (São Paulo entra aí também) está a nossa trinca, RS, SC, DF, todos bem abaixo da média nacional.
"O emigrante é um cara que luta: luta para sobreviver, luta por melhores condições de vida, luta para educar seus filhos. E frequentemente vence".
Vamos para uma outra área, a educacional. Recentemente foram divulgados os dados do Pisa (Programme for International Students Assesment, Programa Internacional de Avaliação de Alunos) introduzido pela Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico, que analisou a situação da educação em 65 países, no que se refere a ciências, matemática e leitura. No caso do Brasil, quem encontramos no topo do ranking dos estados? Distrito Federal, Santa Catarina, Rio Grande do Sul.
Tomemos um indicador mais abrangente, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), composto por expectativa de vida, alfabetização e produto interno per capita; ou seja, saúde, educação, economia. Nos cinco estados mais bem situados (aí entram São Paulo e Rio de Janeiro), está de novo a nossa trinca, DF, SC, RS.
Agora, o que terão em comum os três? Aí entramos no terreno do palpite, mas ouso arriscar uma resposta: a diversidade, populacional e cultural. Rio Grande do Sul e Santa Catarina são estados formados em grande parte por emigração, e o mesmo acontece com Brasília (só que aí é a migração de brasileiros, dos lendários candangos). Ora, o emigrante é um cara que luta: luta para sobreviver, luta por melhores condições de vida, luta para educar seus filhos. E frequentemente vence. Porque o emigrante é aquele cara que não se resignou a ficar onde estava, entregue aos queixumes e às lamentações; não, o emigrante é um cara que, à frente de sua família, foi em busca de uma existência melhor, viajando num pau de arara ou num precário navio. Um cara que chegou a um lugar para ele desconhecido mas que, sem se intimidar, procurou trabalho (e o gaúcho, que ajudou a povoar todo o oeste do país, é um exemplo disso). A combinação da cultura dos emigrantes com as tradições locais funcionou bem nesses três estados, mostrando que o Brasil é o verdadeiro melting pot, aquele panelão de misturas que os Estados Unidos sempre viram, acertadamente, como uma fórmula para o desenvolvimento.
DF, SC, RS: dá para acreditar no Brasil. O que, convenhamos, além de boa notícia, é um verdadeiro presente de ano-novo.
Publicada no dia 11 de janeiro de 2011 no caderno Diversão, Correio Brazieliense.
Hoje falece o escritor Moacyr Scliar.