8 de setembro de 2011

O HUMOR NOSSO DE CADA DIA



Paula Ivony Laranjeira de Souza

Escrever um texto falando de um determinado livro parece algo simples e corriqueiro. Também já pensei assim, mas depois de ler A mulher dos sonhos e outras histórias de humor tenho pensado diferente. Isso porque, tenho receio de magoar a classe livresca, que muito unida podem pedir ao autor a minha degolação, pois creiam-me amigos, livros são objetos perigosíssimos.
O livro é de autoria de Aleilton Fonseca, publicado pela editora Via Liteterarum em 2010. Em suas 124 páginas nos deliciamos com 25 contos que apresentam cenas hilariantes do cotidiano. Crê-se que alguns leitores vão reconhecer nos contos lidos indícios da própria vida, ou a de um amigo, um vizinho, porém com um desfecho inesperado. As histórias são curtas, proporcionando rapidamente o prazer e o riso. Há que se considerar que a literatura humorística ganha mais facilmente o leitor, pois o riso só precisa ser estimulado.  Porém, A mulher dos sonhos, muito mais do que nos permitir um momento de descontração e riso, proporciona ao leitor rir de si mesmo, rir da vida, não da vida em si, mas da imitação da vida. Assim, ao sorrir da imitação da própria vida, o leitor se dá conta de que a racionalidade que lhe é inerente muitas vezes, o faz se perder de si mesmo.
Como salienta Ziraldo,
O humor, numa concepção mais exigente, não é apenas a arte de fazer rir. Isso é comicidade, ou qualquer outro nome que se escolha. Na verdade, humor é uma análise crítica do homem e da vida. Uma análise não obrigatoriamente comprometida com o riso, uma análise desmestificadora, reveladora, caústica. Humor é uma forma de tirar a roupa da mentira, e os seu êxito está na alegria que ele provoca pela descoberta inesperada da verdade.[1]
Nesse sentido, entende-se que despertar o riso ou tocar o senso de humor do leitor é um trabalho árduo, pois requer talento e  uma postura consciente e reflexiva para projetar no texto uma inversão e subversão da ordem vigente. Ou seja, o humor na literatura deve partir de uma ruptura entre a vida e/ou o cotidiano(a imagem tradicional que temos) e a vida representada (imagem reveladora da insensatez). Este contraste revela as incoerências e dissonâncias das ações e valores humanos. Assim, o texto humorístico, além de ganhar a atenção do leitor seduzido pelo prazer da comicidade, na maioria das vezes, reveste-se também de um papel crítico-reflexivo voltado para as ações, neste caso do leitor e/ou expectador.
Como lembra Marília D. da Rosa “A quebra do trivial para o cômico deve conseguir surpreender o leitor de tal forma a instigá-lo, agradá-lo, mas isso só ocorrerá se causar a identificação do leitor com o fato. Por isso, é importante considerar tanto o conhecimento do leitor quanto seus hábitos e cultura para criação de uma comédia, principalmente no tocante à intertextualidade”(ROSA, 2009, p. 16). Assim, entende-se que o senso de humor durante uma leitura varia de pessoa para pessoa, dependendo muitas vezes de alguns condicionantes.
Quando recebi pelo correio em agosto de 2010 o meu exemplar de A mulher dos sonhos, corri para fazer a leitura e não deu outra: risos ecoaram pela casa bem como certo encontro com uma razão irracional. Assim, informo que a epigrafe utilizada no inicio do livro, cumpriu-se. “O meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que está doente naquela casa cinzenta, quando lesse minha história no jornal, risse tanto que chegasse a chorar e dissesse “- Aí meu Deus que história mais engraçada” – Rubem Alves. Bem a casa não é cinzenta, tem pastilhas pretas. Mas a moça sorriu!
A leitura começa. No primeiro conto, O pai dos sábios, conhecemos a realidade dos apaixonados por livros, fato que me levou a crer que é muito arriscado tê-los em apartamentos. Além de serem “más influencias” para os jovens de todo um prédio, podem causar divorcio, expulsar moradores de casa, mas também podem ser vistos como um pelotão de fuzilamento, “se os dicionários resolvem pular em minha cabeça, matam-me na hora”(p. 20) um perigo, não acham? Assim o primeiro conto nos é apresentado  carregado de ironias.
Todo o livro é uma coletânea tipos e situações corriqueiras, com elementos conhecidos do leitor. Recomendo a casais que leiam, vocês vão se surpreender com algumas situações que sempre acontecem com os amigos de vocês. Claro que com vocês nunca acontece. Nos contos A mulher dos sonhos e Sacolas castanhas, temos uma situação bem comum na vida de mulheres ciumentas: “Sonhei que você está me traindo(...)Não se faça de desentendido: sonho é intuição. Se explique - agora!”(p. ) e “Sonhei que voce tinha ido embora com duas sacolas castanhas. Eu ri as gargalhadas. Expliquei que sonho são bobagens inventadas pelo cérebro desocupado durante o sono”(p.97)  mas vá explicar isso à mulheres que têm os sonhos como condutores de avisos.
Os dilemas conjugais são matéria riquíssima e bem aproveitada por Aleilton em várias facetas: Folga da empregada é uma boa situação para degustar os direitos adquiridos pelas mulheres com o levante feminista: futebol na TV, homem pilotando fogão e a mulher dando um passeio. Prato cheio para o riso em Receita caseira; já em Briga de casal o problema é mais sério, até porque a briga alcança alto nível vocabular, chegando o marido a assumir diante do amigo que presenciava a briga “Eu sempre soube que sou solipsista”(p. 47), o amigo é que fica sem nada entender com este tal soliptista. Mas Aleilton continua mexendo nos casamentos, desta vez,  tentativas de quebrar a rotina após algum tempo de bodas como em: Marilda Ama Omar,  Domingo no motel e Santa de casa; outras situações na vida de um casal também ganham destaque nas páginas deste livro como: compra de produtos que se referem a intimidade pessoal; ida de casais a restaurantes, aliás, lugar oportunidade para as mulheres apresentarem às amigas o ponto fraco dos maridos; sem contar a necessidade de fazer um filho, todos estes presentes em:  Compras especiais, Comédia conjugal e  Noite de Núpcias. Mas o mais surpreendente é saber que ainda há casais que só passam a existir por conta de homens tão abnegados e apaixonados que até torcem pelo Bahia mesmo sendo Vitória de corpo e alma como retratado em BA-VI em família.
Outras temáticas do cotidiano fervilham e acrescentam pitadas de humor à vida de qualquer leitor: as neuroses em tempo de surto de dengue, é o que se vê em Caso de dengue; Alô, telemarketing, Emprego temporário. E como em todo bom conto humorístico o que vale é o desfecho imprevisto, os convido a desopilar o fígado em, É a mãe,  O galanteador, e Uma informação por favor  além de outros contos.
Assim, com brilhantismo, sendo breve e conciso, Aleilton reconstitui cenas cotidianas apresentando situações e personagens comuns que bem manipulados se tornam condutores de um discurso cômico que liga o real vivido à realidade representada, transformando, assim, fatos corriqueiros  em elemento e motivo para o riso.  Aleilton é mestre em transformar nossas vivências em material literário. Na maioria dos seus livros, ele burila em nossas emoções arrancando lágrimas. Neste livro também tem feito algo semelhante, porém, trazendo o cotidiano como material para o risível, convidando-nos a rirmos de nós mesmos. Deste modo, pode-se dizer que ele figura para a literatura como um autor representativo da epifânia da emoção, conduzindo o leitor às lagrimas e ao riso.
Como diz Flavio Moreira da Costa na introdução aos Os cem melhores contos de humor da literatura universal:  “Mas chega, senão esta introdução corre o risco de ser escrita de terno, gravata e de colarinho duro. O leitor, calculo eu, está querendo roupa folgada e um lugar confortável para ter lá seus bons momentos de humor, e não ser obrigado a pensar sobre ele.”





 



[1] Revista Veja, 31 de dez. de 1969.

5 de setembro de 2011

“Baianidade Baiana”: mais um espetáculo calcado nos estereótipos fáceis


Por:Téo Júnior*
teo.camp@hotmail.com


Numa cidade como Caetité, cuja tradição teatral é paupérrima, é um alento saber que um espetáculo foi exibido em três sessões, ainda que montado num espaço pequeno, como é o caso do Cine Teatro Anísio Teixeira (Pç. da Catedral, Centro). Nessas raríssimas ocasiões, a crítica se faz fundamental, pois entendemos que o papel dela não pode ser o da complacência ou o da subserviência em relação ao elenco, como normalmente acontece nas divulgações feitas pela mídia, sem critério algum; tampouco a crítica deva destruir um espetáculo, pura e simplesmente. Ela não existe para esses fins. No entanto, sua obrigação é a de analisar – sempre – com justiça aquilo que é oferecido ao público.
Não raro, as comédias apresentadas (muitas a preços populares, inclusive) estão calcadas sobre estereótipos, e os artistas perseguem o nobre objetivo de, sorrindo, refutá-los, já que esses estereótipos – e ninguém há de discordar – são gerados sobre ideias preconcebidas e alimentados pela ignorância. Assim sendo, faz-se necessário rechaçá-los a qualquer custo. Algumas dessas idéias, todos nós já conhecemos: baianos preguiçosos, nordestinos atabalhoados em cidades grandes, gays afetados excessivamente, loiras estúpidas etc. A regra não se aplica aqui, porém. Dir-se-ia que eles (Marcos Lima e Marcos Magno) se incomodam muito pouco com críticas em relação à sua cultura, e ambos a proclamam até com certo orgulho. Não é sempre assim.
O título da peça por si só já soa estranho, porque redundante: “Baianidade Baiana” (sic!), embora o tema nos interesse, num momento em que se discute até que ponto essa “guetificação” cultural é apropriada ou não. Qual seria a melhor identidade? A mais bonita? A “baianidade”, talvez? A “sergipanidade”?  A “mineiridade”? Assim sendo, analisamos por uma ótica separatista, como se esses locais fossem ilhas e não partes de um todo, de um painel diversificado e rico em múltiplos aspectos, como é o Brasil. Aliás, o próprio conceito de “brasilidade” está há muito batido, desde o surgimento – lá no Modernismo – de Tarsila do Amaral, conforme assinalou Mário de Andrade, que caracterizava seus quadros  como sendo a representação da “realidade nacional”.
Rodando a baiana – Abriu-se espaço para imitações de artistas, mencionando-se as diferenças abissais de classes, a negritude, o acarajé com pimenta, a sexualidade sem culpa, o linguajar por vezes tosco, mas autêntico e piadas. Ao final, ambos irmanaram-se com o auditório a fim de que nós, talvez não mergulhados suficientemente nesse universo quanto eles, adivinhássemos as músicas lembradas e por aí vai. É evidente que esse trabalho não é tão simples e eles provaram ser bons comediantes, mas o que a dupla realiza não pode ser considerado teatro, no sentido mais genérico do termo. Às vezes, existiam os diálogos, eles estavam lá, incisivos ao extremo – porque um assunto puxa outro – mas sempre caricaturais, é claro; todavia na maior parte da peça o que tivemos foi o famoso stand-up. Em suma, trata-se mais de um humorístico no estilo “A Praça é Nossa” do que propriamente de uma peça teatral.
O momento em que a sonoplasta (não foi informado o nome) interrompeu a apresentação a fim de se eximir das falhas incríveis do som que ela operava, foi de uma estupidez sem tamanho, e “Baianidade Baiana” pecou, assim, pelo menos na sexta-feira, pela falta de cuidado. Mas nesses casos, como eles se abrem a todo tipo de improvisação, não se considerou o descuido uma grande falha, pois ele não chegou a atrapalhar em nada.
A responsável pela peça foi a “Companhia Baiana de Risos” e a direção é de Alberto Damit e Marco Antonio Lucas. Ingressos: 20 reais.
____________________________
* Graduado em letras pela UNEB, foi professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS) atualmente desenvolve Projeto de Mestrado cujo tema é a dramaturgia de Nelson Rodrigues. É pesquisador de teatro.