22 de outubro de 2009

memórias de minha vó


Falando em histórias, me lembrei de como Madrinha estimulava nossa capacidade imaginativa. Às vezes, ficava horas sentada na área observando as nuvens e suas variadas formas de gente, bicho, e outras coisas... E sempre nos convidava a encontrar outras formas...Seus olhinhos brilhavam naquela mágica brincadeira que tanto contribuiu para minha imaginação. Hoje olho as nuvens e tento encontrá-la.



Estou sempre trabalhando com memórias. Descobri há algum tempo que gosto de tudo que ficou para trás. Tudo que já não existe mais, ou, se existe, é pouco valorizado e/ou colocado à margem. Gosto de músicas de décadas passadas, de filmes que todos já viram e não é mais novidade, de pessoas mais velhas, de fotos antigas, de histórias da infância, de a juventude dos meus pais e avós, e de como a vida era antes da percepção do mundo que tenho hoje. É, acho que sou uma nostálgica! Hoje minhas pesquisas literárias se embrenham pelas vias da memória, e cada vez mais fico fascinada...

Estou entre teoria e prosa como quem fica na junção de café e leite. Sou o novo líquido! Falando em café com leite, me lembrei da minha avó materna, Maria Francisca, uma senhora baixinha, branquinha, de cabelos branquinhos e muito boazinha...e que não conhecia dinheiro. Bem, ela ao cuidar dos netinhos sempre fez questão de alimentá-los com café-de-leite! Era cada "copão"! Apesar de alguns dos meus primos, os mais novos, terem a mordomia da big mamadeira, com um hiper furo no bico para que o líquido descesse mais rápido. Minha vozinha andou nos últimos tempos de vida a caducar. Penso eu, que ela resolveu fazer o que não podia durante toda a vida. Cortou o cabelo curtinho, falava besteira, pintava as unhas, e até resolveu depilar as pernas, coisa que nunca faria se estivesse em sã consciência. Eta falta de memória revolucionária!

Nós a chamávamos de madrinha Nenén. Confesso que houve um tempo em que eu andei meio chateada com ela, isso láaaaaaa na infância, pois cada dia aparecia com um novidade em remédios caseiros para tentar a minha cura física. Certa vez, ela conseguiu um óleo que depois de passado secava e deixava uma aparência de “caca” de vaca. Ela inventava, minha mãe passava e eu chorava....kkkk...mas com o tempo, ela desistiu...Aí que alívio!

Minha vó faz parte do emaranhado de imagens que compõem a minha memória. Na verdade, acho que todo meu interesse por essa temática é coisa dela. Suas histórias, sua vida, e minha saudade. Dela tenho muitas histórias que algum dia se transfigurarão em escrita. Falando nisso, anos atrás, quando entrei na faculdade, li um conto de Aleilton Fonseca, In Memorian, que falava de uma avozinha muito especial, tão quanto a minha. Chorei como um bebê. E fiquei imaginando quantas avozinhas como a minha existem por aí...


Paula Ivony Laranjeira

4 de outubro de 2009

Dedos de prosa com o amigo Rosa


Fala, Rosa, quero ouvir suas sagas. Os teus bois. A tua-nossa gente pede passagem.
Nas Gerais percorro o teu caminho, costurando os retalhos da sua-nossa gente à minha-sua gente.
Teus amores me inebriam, me encantam e me arrancam suspiros. Devoro as letras e anseio pular as páginas, mas não o faço, pois temo perder os detalhes nos quais deleito.
Me perco nas matas, nas estradas nesse teu sertão das Gerais. E descubro a astúcia, a sabedoria dessa gente sem diploma.
Sabe, Rosa, estou mais confusa. E bois falam? Os teus falam. Às vezes me sinto boi, animal irracional, levado de um lado para o outro, presa no cabresto, mas meus olhos não "babam" mais, secaram como a terra do meu-nosso sertão. Secaram... E quando essa baba dos olhos seca a gente fica numa agonia sem tamanho.
mas mudando de assunto, queria te apresentar um amigo meu, gente do sertão também, mas do sertão da Bahia, o Aleilton, home de minha estima, cê precisa de vê, ele escreve essas coisas da gente que é uma belezura. mas tem hora que ele escreve coisa muito triste, que até faz chorar.
Sabe, Rosa, a prosa tá boa, mas tenho que terminar de ler Sagarana, um dos livros do grande João Guimarães Rosa.

Paula Ivony Laranjeira


Sagarana, obra que apresenta a paisagem mineira em toda a sua beleza selvagem, rendeu a Giumarães Rosa vários prêmios e o reconhecimento como um dos mais importantes livros surgidos no Brasil contemporâneo. Os contos de Sagarana traz a vida das fazendas, dos vaqueiros e criadores de gado, mundo que Rosa habitara em sua infância e adolescência. Neste livro, o autor transpôs a linguagem rica e pitoresca do povo, registrou regionalismos, muitos deles jamais escritos na literatura brasileira.- Fundação Guimarães Rosa -

Biografia:

"João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo (MG) a 27 de junho de 1908 e era o primeiro dos seis filhos de D. Francisca (Chiquitinha) Guimarães Rosa e de Florduardo Pinto Rosa, mais conhecido por "seu Fulô" comerciante, juiz-de-paz, caçador de onças e contador de estórias.

Joãozito, como era chamado, com menos de 7 anos começou a estudar francês sozinho, por conta própria. Somente com a chegada do Frei Canísio Zoetmulder, frade franciscano holandês, em março de 1917, pode iniciar-se no holandês e prosseguir os estudos de francês, agora sob a supervisão daquele frade.

Terminou o curso primário no Grupo Escolar Afonso Pena; em Belo Horizonte, para onde se mudara, antes dos 9 anos, para morar com os avós. Em Cordisburgo fora aluno da Escola Mestre Candinho. Iniciou o curso secundário no Colégio Santo Antônio, em São João del Rei, onde permaneceu por pouco tempo, em regime de internato, visto não ter conseguido adaptar-se — não suportava a comida.

De volta a Belo Horizonte matricula-se no Colégio Arnaldo, de padres alemães e, imediatamente, iniciou o estudo do alemão, que aprendeu em pouco tempo. Era um poliglota, conforme um dia disse a uma prima, estudante, que fora entrevistá-lo:

Falo: português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo; leio: sueco, holandês, latim e grego (mas com o dicionário agarrado); entendo alguns dialetos alemães; estudei a gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituânio, do polonês, do tupi, do hebraico, do japonês, do tcheco, do finlandês, do dinamarquês; bisbilhotei um pouco a respeito de outras. Mas tudo mal. E acho que estudar o espírito e o mecanismo de outras línguas ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma nacional. Principalmente, porém, estudando-se por divertimento, gosto e distração.

Em 1925, matricula-se na então denominada Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais, com apenas 16 anos. Segundo um colega de turma, Dr. Ismael de Faria, no velório de um estudante vitimado pela febre amarela, em 1926, teria Guimarães Rosa dito a famosa frase: "As pessoas não morrem, ficam encantadas", que seria repetida 41 anos depois por ocasião de sua posse na Academia Brasileira de Letras.

Sua estréia nas letras se deu em 1929, ainda como estudante. Escreveu quatro contos: Caçador de camurças, Chronos Kai Anagke (título grego, significando Tempo e Destino), O mistério de Highmore Hall e Makiné para um concurso promovido pela revista O Cruzeiro. Todos os contos foram premiados e publicados com ilustrações em 1929-1930, alcançando o autor seu objetivo, que era o de ganhar a recompensa nada desprezível de cem contos de réis. Chegou a confessar, depois, que nessa época escrevia friamente, sem paixão, preso a modelos alheios.

Em 27 de junho de 1930, ao completar 22 anos, casa-se com Lígia Cabral Penna, então com apenas 16 anos, que lhe dá duas filhas: Vilma e Agnes. Dura pouco seu primeiro casamento, desfazendo-se uns poucos anos depois. Ainda em 1930, forma-se em Medicina, tendo sido o orador da turma, escolhido por aclamação pelos 35 colegas.

Guimarães Rosa vai exercer a profissão em Itaguara, pequena cidade que pertencia ao município de Itaúna (MG), onde permanece cerca de dois anos. Relaciona-se com a comunidade, até mesmo com raizeiros e receitadores, reconhecendo sua importância no atendimento aos pobres e marginalizados, a ponto de se tornar grande amigo de um deles, de nome Manoel Rodrigues de Carvalho, mais conhecido por "seu Nequinha", que morava num grotão enfurnado entre morros, num lugar conhecido por Sarandi.

Espírita, "Seu Nequinha" parece ter sido o inspirador da figura do Compadre meu Quelemém, espécie de oráculo sertanejo, personagem de Grande Sertão: Veredas.

Diante de sua incapacidade de por fim às dores e aos males do mundo numa cidade que não tinha nem energia elétrica, segundo depoimento de sua filha Vilma, o autor, sensível como era, acaba por afastar-se da Medicina. Contribuiu também para isso o fato de o escritor ter que assistir o parto de sua mulher, pois o farmacêutico e o médico da cidade vizinha de Itaúna só terem chegado quando Vilma já havia nascido.

Guimarães Rosa, durante a Revolução Constitucionalista de 1932, trabalha como voluntário na Força Pública. Posteriormente, efetiva-se, por concurso. Em 1933, vai para Barbacena na qualidade de Oficial Médico do 9º Batalhão de Infantaria. Segundo depoimento de Mário Palmério, em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, o quartel pouco exigia de Guimarães Rosa – "quase que somente a revista médica rotineira, sem mais as dificultosas viagens a cavalo que eram o pão nosso da clínica em Itaguara, e solenidade ou outra, em dia cívico, quando o escolhiam para orador da corporação". Assim, sobrava-lhe tempo para dedicar-se com maior afinco ao estudo de idiomas estrangeiros; ademais, no convívio com velhos milicianos e nas demoradas pesquisas que fazia nos arquivos do quartel, o escritor teria obtido valiosas informações sobre o jaguncismo barranqueiro que até por volta de 1930 existiu na região do Rio São Francisco.

Um amigo do escritor, impressionado com sua cultura e erudição, e, particularmente, com seu notável conhecimento de línguas estrangeiras, lembrou-lhe a possibilidade de prestar concurso para o Itamarati, conseguindo entusiasmá-lo. O então Oficial Médico do 9º Batalhão de Infantaria, após alguns preparativos, seguiu para o Rio de Janeiro onde prestou concurso para o Ministério do Exterior, obtendo o segundo lugar. Por essa ocasião, aliás, já era por demais evidente sua falta de "vocação" para o exercício da Medicina, conforme ele próprio confidenciou a seu colega Dr. Pedro Moreira Barbosa, em carta datada de 20 de março de 1934:

Não nasci para isso, penso. Não é esta, digo como dizia Don Juan, sempre 'après avoir couché avec...’ Primeiramente, repugna-me qualquer trabalho material só posso agir satisfeito no terreno das teorias, dos textos, do raciocínio puro, dos subjetivismos. Sou um jogador de xadrez nunca pude, por exemplo, com o bilhar ou com o futebol.

Antes que os anos 30 terminem, ele participa de outros dois concursos literários. Em 1936, a coletânea de poemas Magma recebe o prêmio de poesia da Academia Brasileira de Letras. Um ano depois, sob o pseudônimo de "Viator", concorre ao prêmio HUMBERTO DE CAMPOS, com o volume intitulado Contos, que em 46, após uma revisão do autor, se transformaria em Sagarana, obra que lhe rendeu vários prêmios e o reconhecimento como um dos mais importantes livros surgidos no Brasil contemporâneo. Os contos de Sagarana apresentam a paisagem mineira em toda a sua beleza selvagem, a vida das fazendas, dos vaqueiros e criadores de gado, mundo que Rosa habitara em sua infância e adolescência. Neste livro, o autor já transpõe a linguagem rica e pitoresca do povo, registra regionalismos, muitos deles jamais escritos na literatura brasileira.

Em 1938, Guimarães Rosa é nomeado Cônsul Adjunto em Hamburgo, e segue para a Europa; lá fica conhecendo Aracy Moebius de Carvalho (Ara), que viria a ser sua segunda mulher. Durante a guerra, por várias vezes escapou da morte; ao voltar para casa, uma noite, só encontrou escombros. A superstição e o misticismo acompanhariam o escritor por toda a vida. Ele acreditava na força da lua, respeitava curandeiros, feiticeiros, a umbanda, a quimbanda e o kardecismo. Dizia que pessoas, casas e cidades possuíam fluidos positivos e negativos, que influíam nas emoções, nos sentimentos e na saúde de seres humanos e animais. Aconselhava os filhos a terem cautela e a fugirem de qualquer pessoa ou lugar que lhes causasse algum tipo de mal estar.

Embora consciente dos perigos que enfrentava, protegeu e facilitou a fuga de judeus perseguidos pelo Nazismo; nessa empresa, contou com a ajuda da mulher, D. Aracy. Em reconhecimento a essa atitude, o diplomata e sua mulher foram homenageados em Israel, em abril de 1985, com a mais alta distinção que os judeus prestam a estrangeiros: o nome do casal foi dado a um bosque que fica ao longo das encostas que dão acesso a Jerusalém.

Foi a forma encontrada pelo governo israelense para expressar sua gratidão àqueles que se arriscaram para salvar judeus perseguidos pelo Nazismo por ocasião da 2ª Guerra Mundial. Segundo D. Aracy, que compareceu a Israel por ocasião da homenagem, seu marido sempre se absteve de comentar o assunto já que tinha muito pudor de falar de si mesmo. Apenas dizia: "Se eu não lhes der o visto, vão acabar morrendo; e aí vou ter um peso em minha consciência."

Em 1942, quando o Brasil rompe com a Alemanha, Guimarães Rosa é internado em Baden-Baden, juntamente com outros compatriotas, entre os quais se encontrava o pintor pernambucano Cícero Dias, Ficam retidos durante 4 meses e são libertados em troca de diplomatas alemães. Retornando ao Brasil, após rápida passagem pelo Rio de Janeiro, o escritor segue para Bogotá, como Secretário da Embaixada, lá permanecendo até 1944. Sua estada na capital colombiana, fundada em 1538 e situada a uma altitude de 2.600 m, inspirou-lhe o conto Páramo, de cunho autobiográfico, que faz parte do livro póstumo Estas Estórias. O conto se refere à experiência de "morte parcial" vivida pelo protagonista (provavelmente o próprio autor), experiência essa induzida pela solidão, pela saudade dos seus, pelo frio, pela umidade e particularmente pela asfixia resultante da rarefação do ar (soroche – o mal das alturas).

Em dezembro de 1945 o escritor retornou ao Brasil depois de longa ausência. Dirigiu-se, inicialmente, à Fazenda Três Barras, em Paraopeba, berço da família Guimarães, então pertencente a seu amigo Dr. Pedro Barbosa e, depois, a cavalo, rumou para Cordisburgo, onde se hospedou no tradicional Argentina Hotel, mais conhecido por Hotel da Nhatina.

Em 1946, Guimarães Rosa é nomeado chefe-de-gabinete do ministro João Neves da Fontoura e vai a Paris como membro da delegação à Conferência de Paz.

Em 1948, o escritor está novamente em Bogotá como Secretário-Geral da delegação brasileira à IX Conferência Inter-Americana; durante a realização do evento ocorre o assassinato político do prestigioso líder popular Jorge Eliécer Gaitán, fundador do partido Unión Nacional Izquierdista Revolucionaria, de curta mas decisiva duração.

De 1948 a 1950, o escritor encontra-se de novo em Paris, respectivamente como 1º Secretário e Conselheiro da Embaixada. Em 1951 é novamente nomeado Chefe de Gabinete de João Neves da Fontoura. Em 1953 torna-se Chefe da Divisão de Orçamento e em 1958 é promovido a Ministro de Primeira Classe (cargo correspondente a Embaixador).

Guimarães Rosa retorna ao Brasil em 1951. No ano seguinte, faz uma excursão ao Mato Grosso. O resultado é uma reportagem poética: Com o vaqueiro Mariano. Segundo depoimento do próprio Manuel Narde, vulgo Manuelzão, falecido em 5 de maio de 1997, protagonista da novela Uma estória de amor, incluída no volume Manuelzão e Miguilim, durante os dias que passou no sertão, Guimarães Rosa pedia notícia de tudo e tudo anotava "ele perguntava mais que padre" –, tendo consumido "mais de 50 cadernos de espiral, daqueles grandes", com anotações sobre a flora, a fauna e a gente sertaneja usos, costumes, crenças, linguagem, superstições, versos, anedotas, canções, casos, estórias...

Em ensaio crítico sobre Corpo de Baile, o professor Ivan Teixeira afirma que o livro talvez seja o mais enigmático da literatura brasileira. As novelas que o compõem formam um sofisticado conjunto de logogrifos, em que a charada é alçada à condição de revelação poética ou experimento metafísico. Na abertura do livro, intitulada Campo Geral, Guimarães Rosa se detém na investigação da intimidade de uma família isolada no sertão, destacando-se a figura do menino Miguelim e o seu desajuste em relação ao grupo familiar. Campo Geral surge como uma fábula do despertar do autoconhecimento e da apreensão do mundo exterior; e o conjunto das novelas surge como passeio cósmico pela geografia rosiana, que retoma a idéia básica de toda a obra do escritor: o universo está no sertão, e os homens são influenciados pelos astros.

Em 1956, no mês de janeiro, reaparece no mercado editorial com as novelas Corpo de Baile, onde continua a experiência iniciada em Sagarana. A partir de o Corpo de Baile, a obra de Rosa - autor reconhecido como o criador de uma das vertentes da moderna linha de ficção do regionalismo brasileiro - adquire dimensões universalistas, cuja cristalização artística é atingida em Grande Sertão: Veredas, lançado em maio de 56. O terceiro livro de Guimarães Rosa, uma narrativa épica que se estende por 600 páginas, focaliza numa nova dimensão, o ambiente e a gente rude do sertão mineiro. Grande Sertão: Veredas reflete um autor de extraordinária capacidade de transmissão do seu mundo, e foi resultado de um período de dois anos de gestação e parto. A história do amor proibido de Riobaldo, o narrador, por Diadorim é o centro da narrativa. Para Renard Perez, autor de um ensaio sobre Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas, além da técnica e da linguagem surpreendentes, deve-se destacar o poder de criação do romancista, e sua aguda análise dos conflitos psicológicos presentes na história.

O lançamento de Grande Sertão: Veredas causa grande impacto no cenário literário brasileiro. O livro é traduzido para diversas línguas e seu sucesso deve-se, sobretudo, às inovações formais. Crítica e público dividem-se entre louvores apaixonados e ataques ferozes. Torna-se um sucesso comercial, além de receber três prêmios nacionais: o Machado de Assis, do Instituto Nacional do Livro; o Carmen Dolores Barbosa, de São Paulo; e o Paula Brito, do Rio de Janeiro. A publicação faz com que Guimarães Rosa seja considerado uma figura singular no panorama da literatura moderna, tornando-se um "caso" nacional. Ele encabeça a lista tríplice, composta ainda por Clarice Lispector e João Cabral de Melo Neto, como os melhores romancistas da terceira geração modernista brasileira.

Ainda que não publicasse nada até 1962, o interesse e o respeito pela obra rosiana só aumentavam, em relação à crítica e ao público. Unanimidade, o escritor recebe, em 1961, o Prêmio Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto da obra. Ele começa a obter reconhecimento no exterior.

Em janeiro de 1962, assume a chefia do Serviço de Demarcação de Fronteiras, cargo que exerceria com especial empenho, tendo tomado parte ativa em momentosos casos como os do Pico da Neblina (1965) e das Sete Quedas (1966). Em 1969, em homenagem ao seu desempenho como diplomata, seu nome é dado ao pico culminante (2.150 m) da Cordilheira Curupira, situado na fronteira Brasil/Venezuela. O nome de Guimarães Rosa foi sugerido pelo Chanceler Mário Gibson Barbosa, como um reconhecimento do Itamarati àquele que, durante vários anos, foi o chefe do Serviço de Demarcação de Fronteiras da Chancelaria Brasileira.

Em 1958, no começo de junho, Guimarães Rosa viaja para Brasília, e escreve para os pais:

Em começo de junho estive em Brasília, pela segunda vez lá passei uns dias. O clima da nova capital é simplesmente delicioso, tanto no inverno quanto no verão. E os trabalhos de construção se adiantam num ritmo e entusiasmo inacreditáveis: parece coisa de russos ou de norte-americanos"... "Mas eu acordava cada manhã para assistir ao nascer do sol e ver um enorme tucano colorido, belíssimo, que vinha, pelo relógio, às 6 hs 15’, comer frutinhas, na copa da alta árvore pegada à casa, uma tucaneira’, como por lá dizem. As chegadas e saídas desse tucano foram uma das cenas mais bonitas e inesquecíveis de minha vida.

A partir de 1958, o autor começa a apresentar problemas de saúde e estes seriam, na verdade, o prenúncio do fim próximo, tanto mais quanto, além da hipertensão arterial, o paciente reunia outros fatores de risco cardiovascular como excesso de peso, vida sedentária e, particularmente, o tabagismo. Era um tabagista contumaz e embora afirme ter abandonado o hábito, em carta dirigida ao amigo Paulo Dantas em dezembro de 1957, na foto tirada em 1966, quando recebia do governador Israel Pinheiro a Medalha da Inconfidência, aparece com um cigarro na mão esquerda. A propósito, na referida carta, o escritor chega mesmo a admitir, explicitamente, sua dependência da nicotina:

... também estive mesmo doente, com apertos de alergia nas vias respiratórias; daí, tive de deixar de fumar (coisa tenebrosa!) e, até hoje (cabo de 34 dias!), a falta de fumar me bota vazio, vago, incapaz de escrever cartas, só no inerte letargo árido dessas fases de desintoxicação. Oh coisa feroz. Enfim, hoje, por causa do Natal chegando e de mais mil-e-tantos motivos, aqui estou eu, heróico e pujante, desafiando a fome-e-sede tabágica das pobrezinhas das células cerebrais. Não repare.

É importante frisar também que, coincidindo com os distúrbios cardiovasculares que se evidenciaram a partir de 1958, Guimarães Rosa parece ter acrescentado a suas leituras espirituais publicações e textos relativos à Ciência Cristã (Christian Science), religião cristã criada nos Estados Unidos em 1866 por Mrs. Mary Baker Eddy e que afirma a primazia do espírito sobre a matéria – "... the allness of Spirit and the nothingness of matter", a qual habilita compreender a nulidade do pecado, dos sentimentos negativos em geral, da doença e da morte, diante da totalidade do Espírito.

Em 1962, é lançado Primeiras Estórias, livro que reúne 21 contos pequenos. Nos textos, as pesquisas formais características do autor, uma extrema delicadeza e o que a crítica considera "atordoante poesia".

Em maio de 1963, Guimarães Rosa candidata-se pela segunda vez à Academia Brasileira de Letras (a primeira fora em 1957, quando obtivera apenas 10 votos), na vaga deixada por João Neves da Fontoura. A eleição dá-se a 8 de agosto e desta vez é eleito por unanimidade. Mas não é marcada a data da posse, adiada sine die, somente acontecendo quatro anos depois, no dia 16 de novembro de 1967.

Em janeiro de 1965, participa do Congresso de Escritores Latino-Americanos, em Gênova. Como resultado do congresso ficou constituída a Primeira Sociedade de Escritores Latino-Americanos, da qual o próprio Guimarães Rosa e o guatemalteco Miguel Angel Asturias (que em 1967 receberia o Prêmio Nobel de Literatura) foram eleitos vice-presidentes.

Em abril de 1967, Guimarães Rosa vai ao México na qualidade de representante do Brasil no I Congresso Latino-Americano de Escritores, no qual atua como vice-presidente. Na volta é convidado a fazer parte, juntamente com Jorge Amado e Antônio Olinto, do júri do II Concurso Nacional de Romance Walmap que, pelo valor material do prêmio, é o mais importante do país.

No meio do ano, publica seu último livro, também uma coletânea de contos, Tutaméia. Nova efervescência no meio literário, novo êxito de público. Tutaméia, obra aparentemente hermética, divide a crítica. Uns vêem o livro como "a bomba atômica da literatura brasileira"; outros consideram que em suas páginas encontra-se a "chave estilística da obra de Guimarães Rosa, um resumo didático de sua criação".

Três dias antes da morte o autor decidiu, depois de quatro anos de adiamento, assumir a cadeira na Academia Brasileira de Letras. Os quatro anos de adiamento eram reflexo do medo que sentia da emoção que o momento lhe causaria. Ainda que risse do pressentimento, afirmou no discurso de posse: "...a gente morre é para provar que viveu."

O escritor faz seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras com a voz embargada. Parece pressentir que algo de mal lhe aconteceria. Com efeito, três dias após a posse, em 19 de novembro de 1967, ele morreria subitamente em seu apartamento em Copacabana, sozinho (a esposa fora à missa), mal tendo tempo de chamar por socorro.

Em 1967, João Guimarães Rosa seria indicado para o prêmio Nobel de Literatura. A indicação, iniciativa dos seus editores alemães, franceses e italianos, foi barrada pela morte do escritor. A obra do brasileiro havia alcançado esferas talvez até hoje desconhecidas. Quando morreu tinha 59 anos. Tinha-se dedicado à medicina, à diplomacia, e, fundamentalmente às suas crenças, descritas em sua obra literária. Fenômeno da literatura brasileira, Rosa começou a publicar aos 38 anos. O autor, com seus experimentos lingüísticos, sua técnica, seu mundo ficcional, renovou o romance brasileiro, concedendo-lhe caminhos até então inéditos. Sua obra se impôs não apenas no Brasil, mas alcançou o mundo."


Disponível em: hhttp://www.releituras.com/guimarosa_bio.asp acessado em 05/10/09

3 de outubro de 2009

Uma semana sem leitura dá nisso...etá resfriado maldito!


Há tempo em que as palavras se perdem no caminho mas elas existem e persistem pois de alguma forma deixam o sinal de sua existência A falta de existência nada mais é do que a certeza do existir Como poderíamos sentir falta de algo que nunca provamos Estou cansada do mundo regrado limitado onde todos delimitam nossas fronteiras territoriais Meu lugar é o mundo não uma parte dele Quero ser tudo Quero provar tudo Quero me perder e quem sabe me achar nesse sumiço Quero ouvir tudo dizer tudo até encontrar as palavras perdidas que o tempo me furtou Às vezes tão inatingível como as estrelas de Quintana que enfeitam o caminho