Por: Marina Vergueiro
Nas noites de quarta-feira no Bar do Zé Batidão, zona sul de São Paulo, “o silêncio é uma prece”. O poeta Sérgio Vaz faz questão de avisar que o sarau da Cooperifa “não é balada”. Um dos mais tradicionais saraus paulistanos, pioneiro na periferia da cidade, a Cooperifa encontrou endereço fixo nesse boteco de uma das esquinas do Jardim São Luiz.
Segundo Vaz, o motivo é a falta de espaços públicos para exercer a cultura na periferia da capital paulista. “Não temos teatro, não temos museu, não temos centro cultural. O bar é onde a comunidade se reúne para falar do asfalto, do trator que precisa retirar o barranco, do lixo, do futebol...”, diz ele.
Embora regado a muita cerveja e a uma caipirinha com mel batizada de “gostosinha”, a disciplina exerce um papel tão fundamental quanto a própria poesia na Cooperifa. Ao criar a cooperativa, há dez anos, a ideia de Vaz era “fazer a gentileza de recitar poesia para a comunidade e a comunidade [fazer] a gentileza de ouvir a poesia”. Para isso, segundo ele, não apenas o silêncio é imprescindível, mas o respeito a cada um dos poetas que se arrisca atrás do microfone. E, para que isso seja garantido, todos devem aplaudir a todos com a mesma intensidade.
Desde 2001 a Cooperifa ajudou cerca de 30 poetas a lançarem seus livros, além de ter colaborado para que músicos e rappers gravassem seus álbuns, entre eles F.I.N.O, Wesley Noog, Versão Popular e Jairo Periafricania.
“Comecei a fazer rap com 35 anos e a Cooperifa mudou minha vida porque me mostrou que se eu quero ser escritor eu posso, não preciso pedir autorização para ninguém”, conta Jairo, que em 2010 lançou o disco “O Sonho Não Envelhece” e há três anos dá aulas de rap na Fundação Casa.
Já F.I.N.O, rapper há 13 anos, buscou a literatura para que pudesse “se informar mais e melhorar as letras”. A partir do Sarau da Cooperifa, que frequenta “religiosamente há 2 anos”, passou a se interessar por saraus e, durante a semana, faz uma verdadeira peregrinação pela periferia da cidade em busca de poesia. “Frequento o circuito inteiro: (sarau do) Ademar, (sarau da) Fundão, (sarau do) Binho, Sarau com Elas”, conta ele, que recentemente lançou o single “Que Vantagem Maria Leva?”, com participação da cantora e poeta da Cooperifa Camila Trindade.
Miguelzinho
Além do rap, a poesia de Cordel é responsável por algumas das reações mais entusiasmadas do público do sarau. Um dos poetas responsáveis por isso tem apenas 10 anos de idade e dois discos gravados. Luís Miguel de Araújo Guimarães, o Miguelzinho, provoca gargalhadas na plateia durante os cinco minutos que permanece com microfone na mão recitando uma das dez poesias que guarda na memória. “Às vezes eu demoro um pouquinho pra recitar porque eu decido na hora. O que vier na mente primeiro, eu conto”, diz o garoto, admirador de Patativa do Assaré e Chico Pedrosa. Miguelzinho costuma ir ao bar do Zé Batidão acompanhado do tio Toninho Poeta.
Apesar desses "destaques" da Cooperifa, os aplausos atingem o ápice com a declamação de Dona Edite Marques. Uma das integrantes mais ativas da Cooperifa, essa senhora cega de 68 anos costuma passar de dez a quinze minutos recitando suas poesias favoritas -- sejam versos de Castro Alves ou Cora Coralina --, todas memorizadas com a ajuda de um aparelho no qual escuta as gravações que uma sobrinha faz, em fita cassete.
Noites especiais
Quando começou, há dez anos, em uma fábrica abandonada no Taboão da Serra, o Sarau da Cooperifa contava com pouco mais de 15 poetas que se revezavam para ler cerca de 10 poesias cada. Atualmente, o sarau chega a receber aproximadamente 60 poetas por semana. Em algumas noites consideradas especiais, esse número pode chegar a 70 -- e muitas vezes alguns ficam de fora porque as duas horas de poesia não são suficiente.
Com a intenção de incentivar a leitura, Sérgio Vaz criou a “Chuva de Livros”, noite que acontece semestralmente em parceria com editoras e doadores, distribuindo livros aos frequentadores do sarau. A mais recente aconteceu em 31 de março deste ano, com o apoio da Companhia das Letras e presença do editor Luiz Schwarcz, que entregou os 250 livros doados à Cooperifa.
Já uma das criações mais populares de Sérgio Vaz é a noite que ficou conhecida como “Ajoelhaço”, que ocorre todos os anos na quarta-feira anterior ao Dia Internacional da Mulher, na qual os homens se ajoelham diante das mulheres e pedem perdão aos pecados cometidos.
No entanto, é na noite de "Poesia no Ar" que a Cooperifa reúne o maior número de pessoas. Em 2011, o evento distribuiu 500 bexigas de gás hélio para que os poetas prendessem suas poesias e as soltassem no céu de São Paulo. Ônibus de Porto Alegre, Guaratinguetá, Guarulhos e Parelheiros vieram a São Paulo para participar do “ataque poético aéreo”, como o definiu Sérgio Vaz.
“Uma vez ouvi um cara falar no negócio de bala perdida na periferia. Fiquei imaginando uma ideia para que a gente pudesse levar a nossa poesia para outros quintais”, conta Vaz sobre o nascimento do “Poesia no Ar”. Segundo ele, já houve registro de que bexigas chegaram ao bairro do Ipiranga, outro extremo da zona sul da cidade.
Embora deficiente visual há 15 anos, Dona Edite considera essa noite uma das mais belas da Cooperifa. “Eu sinto a emoção de colocar meu poema dentro da bexiga, de poder soltar no ar e sentir as pessoas perto de mim”, conta, emocionada.
Notícia disponível em: Entretenimento uol visitem e vejam o vídeo.
Noites como esta deveriam se espalhar por todos os recantos deste Brasil.
Bjs
3 comentários:
Pôxa! Eu moro em sampa e não tinha conhecimento desta oficina. Que bom que entrei aqui neste blog hj. Espero poder voltar. bj.
olá amigo, a periferia também gosta de cultura o que faltam são oportunidades, bju terê.
Sempre uma delícia estas reuniões culturais...
Grande abraço, minha amiga querida!!! Beijinhos também...
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