Nasci como todas as crianças: um
escritor, e dos bons.
No início bastava um espaço amplo
no qual pudesse inserir via imaginário muitos elementos constitutivos de algum
espaço desejado: uma casa, um escritório, um consultório, um programa de TV ou
qualquer outro; se tivesse com quem brincar era mais fácil, bastaria decidir que
personagens existiriam e distribuí-los entre os amigos, depois definir o que
estariam vestidos, como seriam e o que diriam. Se não houvesse um amigo para
partilhar o processo criativo, então nasciam personagens produzidos para
satisfazer nossas intenções e necessidades sem que houvesse conflito. Assim
aprendi a técnica da descrição.
Em outros momentos, sentada ao
lado de um amigo ou algum adulto disposto a ouvir, narrava meus feitos: na maioria
das vezes era um amazona destemida que viajava por reinos longínquos lutando
com monstros; outras vezes era uma rainha poderosa que cuidava de um grande
reino e tinha uma linda filha; também relatava histórias tristes baseada em
fatos reais e outras alegres. E assim fui aprendendo a narrar.
Mas a melhor parte era quando
pegava aqueles livros que ficavam na estante. Eu ainda não tinha sido
alfabetizada, mas certamente já sabia ler. Todos ficavam admirandos com minhas
leituras. Nos livros não existiam muitas figuras, e as que existiam não eram
muito coloridas, às vezes, eram de uma única cor, mas, mesmo assim, meu pequeno
dedo ia percorrendo aquelas letras indecifráveis e as histórias iam nascendo:
narrativa, personagens, espaço, enredo... Tudo tão bem articulado que até
parecia estar verdadeiramente escrito ali. Li muitos livros, assim, nesse
imaginar... Com isso fortaleci minha capacidade criativa.
Quando fui para a escola foi
muito estranho, eu tive que desaprender a ler, pois a professora vivia me
dizendo que eu não estava lendo, que aquilo que eu narrava não estava escrito
no livro. Fiquei muito triste.
Posteriormente entendi e, finalmente, aprendi ler como se deve. Depois
disso, voltei a ler aqueles velhos livros da estante e para minha surpresa, as
histórias eram bem diferentes daquelas que eu lia quando não tinha desaprendido
e aprendido a ler. Confesso que senti
falta de algumas. Mas gostei de outras.
Há muito tempo deixei a minha
infância. Não me tornei um escritor, desses que escrevem livros, mas ainda sou
autor de muitas histórias. Conto aos meus netos, as minhas proezas da infância,
relato o assassinato do meu caderninho de histórias que sangrou demasiadamente
com a tinta vermelha de uma caneta sob meus escritos a lápis, falo de meus namoricos
e o encontro mágico do amor com o avô deles, falo da infância de seus pais, e
encho a alma de meus pequenos aos contar-lhes como preparava doces e quitutes.
Nasci escritora, me tornei boa
leitora, e hoje, para ser uma avó que fica guardada na memória dos netos, me
sento numa cadeira, e novamente escritor, apresento muitos mundos aos meus
pequenos novos leitores. Outras horas, combinamos todos os elementos da
narrativa. Vamos escrevendo juntos...Creiam-me, não há nada mais bonito do que
ver o sorriso de um pequeno escritor ao apresentar a avó suas criações
narrativas. Minha alma se encanta como se estivesse diante de um livro
encantado.
Mas existe muitos escritores que
morrem na infância, e o pior, morre o escritor e o leitor juntos porque não houve
e não há incentivo, e cada vez mais as novas gerações perdem a capacidade de
narrar suas experiências, suas vivências e seus mundo imaginários. E
infelizmente, cada vez mais as crianças-escritoras não cumprem sua sina.
Paula Ivony Laranjeira
Texto publicado em: PALAVRA FIANDEIRA
4 comentários:
Obrigada pela visita, adorei o seu cantinho, e agora sempre que possível estarei passando por aqui.
Espero que participe dos próximos sorteios do meu blog.
Beijo :*
Paula, nem acredito. Toda vez que visito um blog, eu vou para aquela seçãozinha debaixo da foto do dono do blog "quem sou eu". O seu não tinha, então, nem me liguei. Mas, quando você disse que aqui tinham algumas "dicas", abri os olhos para a "Costureira". Aí, fui lá. Surpresa! Muito mais que dicas.
Abraços sempre afetuosos.
Fábio.
Olá Paula!
Estou passando para enriquecer meu lado intelectual com suas leituras, sempre instigantes!
Beijos.
Dolores
Olá Paula, sempre me cativas com esses textos tão instigantes!
Beijos.
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