Lembro-me, com um certo entusiasmo, do dia Internacional da Mulher. Ser humano ambíguo, diverso; criação dos deuses numa justa medida poética. De fato, as mulheres nos (re)inventam no silêncio da sua grandeza. A natureza ofertou-lhes inteligência e sensualidade: a terra é, sobretudo, energia feminina! Força em trânsito capaz de gerar a vida e multiplicá-la em suas ações cotidianas. Não hesito: há em cada mulher a dinâmica de Iansã, beleza e (en)canto que deslizam na complexidade da vida.
Agora, (re)visito as já tortas prateleiras da minha biblioteca e lá, entre o ofício das letras e a paixão pela leitura, estava eu a folhear algumas páginas de “A Mensageira das Violetas” da escritora portuguesa Florbela Espanca. Pequena antologia que há muito comprara em promoção numa das minhas andanças pelas cidades da Bahia. Aí estava a ler seus poemas e a imaginar a sua travessia de mulher poeta. Pude perceber, em seus versos, em tom marcadamente lírico-dramático, o entrelaçamento de tristezas e alegrias; inquietudes d’alma num jogo sedutor entre Eros (vida) e Tânatos (morte). Com efeito, entrega e recusa de uma mulher-símbolo do triunfo poético!
A noite avança e, sob a atmosfera lírica da obra da poetisa ou poeta, como queiram chamar os caros leitores, recordo-me de alguns versos dos quais ecoam cantos de dores amorosas, de paixões de um ser-mulher sujeito e objeto dos seus desejos além da carne, do óbvio e da mediocridade falocêntrica.
Ela, Florbela, assim como as operárias da indústria têxtil de Nova York, gritou para o mundo suas angústias e utopias. Enfim, movida por suas inquietudes humanas, a tecelã de palavras escreveu nas páginas dos sonhos e das lutas a liberdade de ser e estar-no-mundo. Nada tarda, envolto pelo prazer da leitura, (re)encontro outros livros da poeta, como Livros de mágoas (1919); Livro de Sóror Saudade (1923); Charneca em flor (1937); Cartas de Florbela Espanca (1931); As máscaras do destino (1931); Sonetos Completos (1934); Diário do último ano (1981); O dominó preto (1982) e Trocando Olhares (1994- Edição de Maria Lúcia Dal Farra).
Assim, por entre os fios tênues da razão, permiti-me sentir mais humano no intervalo de cada página virada. Por alguns instantes, notei que, sobre a mesa, os filetes prateados da lua misturavam-se ao escarlate do vinho. Daí as lembranças, ao traçar estas linhas, do aroma das mulheres que valsam fora e dentro de mim. E logo, numa aura de saudades e devoção, li o poema “Ser Poeta”:
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
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É Ter mil desejos e esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É Ter cá dentro um ar que flameja,
É Ter garras e asas de condor!
O que dizer, senão recordar das mulheres guerreiras de 1857, vítimas do imperialismo patriarcal. Cidadãs desafiadoras que tatuaram com sangue a história. Suas vozes vibráteis amalgamaram-se ao fogo e arderam em “mil desejos e esplendor” com intuito de fazer dessa Nova Era um espaço em que ser mulher, como sublinha a escritora lusitana, é “ter garras e asas de condor”. É carregar dentro de si o espírito solar com um desejo permanente de transformação planetária.
Em suma, sigamos, homens e mulheres, de mãos dadas! Brindemos a vida e modulemos os nossos sonhos. Porque há cinzas, espelhos, labirintos, assombros, nela, Florbela, tão bela. Deito-me e o mar habita nos poros mais secretos da mulher. O mar e a mulher onde misturam-se delicadeza e crueldade, mansidão e violência num bordado em cujas redes entrelaçam-se sentidos e revelações em tom de poesia.
Recebi este texto do prof. Adriano e resolvi partilhar com os amigos.
Um comentário:
Paula, há uma lembrança especial para você na Egrégora. Dê uma passadinha lá.
Beijo afetuoso
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