Por: Paula Ivony Laranjeira
O sujeito? Quem é mesmo esse que vive à procura de
um predicado? O da gramática? O da História? O do mundo? O cognoscente? Ou o do
conhecimento?
Eis a reflexão mais complicada para ser feita,
levando em conta o universo das mulheres que me cercam. Minha avó, foi uma
mulher sem vontades, sem liberdade, sem autonomia e dependente. Ela foi criada
para se assujeitar ao pai e depois ao marido, e assim foi durante toda sua
vida. Não escolheu seu marido. Casada, não tinha vontades, não tomava decisões,
exceto a de doar e/ou dividir aquilo que tinha com quem precisava. Seu lugar
era a casa. Apenas na cozinha exercia seu poder, mesmo assim, compreendo que
coagida, pois estava sempre fazendo os desejos culinários do meu avô. Não é sem
dor que relato que o primeiro ato independente da minha avó, não teve final
feliz. E ela só voltou a ter vontades na caduquice. Tive uma santa avozinha,
mas infelizmente ela nunca pode se sujeito da própria vida, não agiu sobre a realidade,
foi levada pela vontade alheia. E toda vida assujeiada.
Minha mãe aprendeu cedo que não tinha vontade. Por
isso, mesmo gostado de estudar, teve que se contentar com, apenas, um mês de
aula com um professor particular. Segundo meu avô, era preciso aprender assinar
apenas o nome. Mas ela aprendeu bem mais. Ela aprendeu com minha avó a
respeitar a autoridade do marido, mas depois de casada sempre soube fazer o
marido realizar seus desejos. Em casa, mandava em tudo, mas deixava a palavra
final para meu pai, que inconscientemente agia conforme o gosto dela. Ela só
não mandava no dinheiro, mas buscando autonomia, vendia ovos e galinhas, e
assim conquistava sua independência financeira. Foi com tais vendas, que
comprou livros para os filhos, roupas, objetos domésticos e muito mais. Opinava
em todas as grandes decisões do meu pai. Hoje, ela manda em tudo, até no meu
pai, controla o dinheiro, as compras, decide se vai para a direita ou para a
esquerda, mas ainda o faz pensar que a decisão de muitas coisas é dele,
fingindo ser assujeitada em certos momentos. Minha mãe conseguiu uma liberdade
que minha avó não imaginou para uma mulher, e dessa forma agiu sobre a realidade,
modificando-a.
Minha irmã também aprendeu com minha mãe que é
preciso agir por vontade própria. Desde criança manifestava suas vontades.
Estudou, pois minha mãe queria dar aos filhos o que ela não teve. Depois de
completar os estudos, foi morar em outra cidade para trabalhar. Sem ninguém que
a policiasse, ela tomou as rédeas da vida, exerceu sua liberdade como ninguém:
enfrentou a sociedade que a censurou quando decidiu criar um filho sem pai,
pegou para si a responsabilidade de cuidar da irmã “doente”, e por tal foi
aclamada pela sociedade, lutou para realizar um trabalho de evangelização
voluntário na comunidade, sendo muitas vezes, repudiada pelas carolas. De uma
forma geral, não ficou de braços cruzados, sempre realiza o que deseja e por
tal, está sempre indo à luta, agindo e modificando a realidade que a cerca. Deixa-me
feliz saber que ela não abaixou a cabeça nem precisou vender seu “passe-livre”,
assumiu o risco e na maioria das vezes, saiu ganhando.
Durante boa parte da minha vida, o sujeito foi
oculto. Fui a coitadinha, a doentinha, a inválida, a boneca de cristal que nada
poderia fazer... nem sonhar... O primeiro sujeito que conheci foi o da
gramática, algo meio indeterminado, sem perspectivas. Me lancei de cabeça, rumo ao desconhecido, enfrentado
dificuldades, olhares coisificantes, venci meus medos, e descobri um sujeito
bem composto. Eram tantas partes e direções, acenos e empurrões, freios
abruptos vez ou outra. Era um mundo que entrava pela janela, pelas páginas,
pela tela, pelas vozes narradoras de outros sujeitos. Um dia, cansada de ser um
sujeito paciente, fui tomada pela fúria da vida, conheci o sujeito histórico e
tornei-me um sujeito agente, meio James Bond. Encarei o perigo, refleti e agi
sobre minha realidade, ditei novas regras, queimei as antigas, reescrevi minha
história. No entanto, não me acho incomum, cada dia mais compreendo que sou
apenas um sujeito simples, mais um que perambula pela gramática à procura de um
predicado, gozando meu direito de ir e vir, pois “Todo
sujeito é livre para conjugar o verbo que quiser”[1].
Meu sujeito anda de cadeira de rodas, mora no sertão, é pobre, tem curso
superior, e ainda faz parte da elite intelectual desse país, segundo as
estatísticas (Só porque tem curso superior...faz-me rir).
A
partir desse olhar sobre quatro sujeitos, muitas vezes assujeitados é possível
pensar o que é o sujeito, esse espírito que habita cada vez mais gente, gente
essa que, muitas vezes, não se dá conta do novo morador. Para que alguém seja
considerado um sujeito de fato, é preciso ser portador de consciência,
conhecimento, força e coragem, pois só assim será possível agir sobre a
realidade, enfrentar os desafios, apreciar as bênçãos cotidianas, enfim, sentir-se
“gente” de ação e reflexão, e não mais uma rês criada para o abate.
Em
uma observação geral, foi possível pensar três categorias distintas e
interdependentes: o mundo, o conhecimento e o sujeito. Observá-las
separadamente me fez refletir sobre questões importantes para minha vida: como
percebo o espaço que ocupo? Como transformo a imagem que adentram minha retina
em saberes? Qual o meu papel nesse espaço? O que de fato é produção-ação-refleção
minha e o que me é imputado pela sociedade? Não é nada fácil pensar
separadamente algo que está totalmente imbricado, pois há uma relação mútua de
interdependência dos três conceitos. Assim, minha ação/reflexão sobre o mundo e
o conhecimento precisa ser realizada não apenas de forma inteligível, mas especialmente,
carregada de emoções, a fim de que haja uma harmonia entre mundo, sujeito e
conhecimento tal qual a observada nas experiências das quatro personagens
apresentadas nesse texto.
Levar
em conta a visão de outros sujeitos é exercer o principio da alteridade, e
respeitar a relatividade das coisas. E ao se fazer isso, é possível
aproximar-se mais do objeto de estudo, visto que somos o resultado de várias
partes, com cargas e compostos diferenciados. Pelo
que acima foi exposto, espera-se ter respondido as questões propostas dentro de
uma coerência inteligível e sensível.
[1] Sintaxe à vontade, de O teatro
mágico. Cd Entrada para raros. 2003.
Os textos "O mundo", "O conhecimento" e "O sujeito" compõem um único texto, e foi dividido em partes para favorer a leitura.
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