10 de fevereiro de 2013

O sujeito


Por: Paula Ivony Laranjeira



O sujeito? Quem é mesmo esse que vive à procura de um predicado? O da gramática? O da História? O do mundo? O cognoscente? Ou o do conhecimento?
Eis a reflexão mais complicada para ser feita, levando em conta o universo das mulheres que me cercam. Minha avó, foi uma mulher sem vontades, sem liberdade, sem autonomia e dependente. Ela foi criada para se assujeitar ao pai e depois ao marido, e assim foi durante toda sua vida. Não escolheu seu marido. Casada, não tinha vontades, não tomava decisões, exceto a de doar e/ou dividir aquilo que tinha com quem precisava. Seu lugar era a casa. Apenas na cozinha exercia seu poder, mesmo assim, compreendo que coagida, pois estava sempre fazendo os desejos culinários do meu avô. Não é sem dor que relato que o primeiro ato independente da minha avó, não teve final feliz. E ela só voltou a ter vontades na caduquice. Tive uma santa avozinha, mas infelizmente ela nunca pode se sujeito da própria vida, não agiu sobre a realidade, foi levada pela vontade alheia. E toda vida assujeiada.
Minha mãe aprendeu cedo que não tinha vontade. Por isso, mesmo gostado de estudar, teve que se contentar com, apenas, um mês de aula com um professor particular. Segundo meu avô, era preciso aprender assinar apenas o nome. Mas ela aprendeu bem mais. Ela aprendeu com minha avó a respeitar a autoridade do marido, mas depois de casada sempre soube fazer o marido realizar seus desejos. Em casa, mandava em tudo, mas deixava a palavra final para meu pai, que inconscientemente agia conforme o gosto dela. Ela só não mandava no dinheiro, mas buscando autonomia, vendia ovos e galinhas, e assim conquistava sua independência financeira. Foi com tais vendas, que comprou livros para os filhos, roupas, objetos domésticos e muito mais. Opinava em todas as grandes decisões do meu pai. Hoje, ela manda em tudo, até no meu pai, controla o dinheiro, as compras, decide se vai para a direita ou para a esquerda, mas ainda o faz pensar que a decisão de muitas coisas é dele, fingindo ser assujeitada em certos momentos. Minha mãe conseguiu uma liberdade que minha avó não imaginou para uma mulher, e dessa forma agiu sobre a realidade, modificando-a.
Minha irmã também aprendeu com minha mãe que é preciso agir por vontade própria. Desde criança manifestava suas vontades. Estudou, pois minha mãe queria dar aos filhos o que ela não teve. Depois de completar os estudos, foi morar em outra cidade para trabalhar. Sem ninguém que a policiasse, ela tomou as rédeas da vida, exerceu sua liberdade como ninguém: enfrentou a sociedade que a censurou quando decidiu criar um filho sem pai, pegou para si a responsabilidade de cuidar da irmã “doente”, e por tal foi aclamada pela sociedade, lutou para realizar um trabalho de evangelização voluntário na comunidade, sendo muitas vezes, repudiada pelas carolas. De uma forma geral, não ficou de braços cruzados, sempre realiza o que deseja e por tal, está sempre indo à luta, agindo e modificando a realidade que a cerca. Deixa-me feliz saber que ela não abaixou a cabeça nem precisou vender seu “passe-livre”, assumiu o risco e na maioria das vezes, saiu ganhando.
Durante boa parte da minha vida, o sujeito foi oculto. Fui a coitadinha, a doentinha, a inválida, a boneca de cristal que nada poderia fazer... nem sonhar... O primeiro sujeito que conheci foi o da gramática, algo meio indeterminado, sem perspectivas. Me lancei de cabeça,  rumo ao desconhecido, enfrentado dificuldades, olhares coisificantes, venci meus medos, e descobri um sujeito bem composto. Eram tantas partes e direções, acenos e empurrões, freios abruptos vez ou outra. Era um mundo que entrava pela janela, pelas páginas, pela tela, pelas vozes narradoras de outros sujeitos. Um dia, cansada de ser um sujeito paciente, fui tomada pela fúria da vida, conheci o sujeito histórico e tornei-me um sujeito agente, meio James Bond. Encarei o perigo, refleti e agi sobre minha realidade, ditei novas regras, queimei as antigas, reescrevi minha história. No entanto, não me acho incomum, cada dia mais compreendo que sou apenas um sujeito simples, mais um que perambula pela gramática à procura de um predicado, gozando meu direito de ir e vir, pois “Todo sujeito é livre para conjugar o verbo que quiser”[1]. Meu sujeito anda de cadeira de rodas, mora no sertão, é pobre, tem curso superior, e ainda faz parte da elite intelectual desse país, segundo as estatísticas (Só porque tem curso superior...faz-me rir).
A partir desse olhar sobre quatro sujeitos, muitas vezes assujeitados é possível pensar o que é o sujeito, esse espírito que habita cada vez mais gente, gente essa que, muitas vezes, não se dá conta do novo morador. Para que alguém seja considerado um sujeito de fato, é preciso ser portador de consciência, conhecimento, força e coragem, pois só assim será possível agir sobre a realidade, enfrentar os desafios, apreciar as bênçãos cotidianas, enfim, sentir-se “gente” de ação e reflexão, e não mais uma rês criada para o abate.
Em uma observação geral, foi possível pensar três categorias distintas e interdependentes: o mundo, o conhecimento e o sujeito. Observá-las separadamente me fez refletir sobre questões importantes para minha vida: como percebo o espaço que ocupo? Como transformo a imagem que adentram minha retina em saberes? Qual o meu papel nesse espaço? O que de fato é produção-ação-refleção minha e o que me é imputado pela sociedade? Não é nada fácil pensar separadamente algo que está totalmente imbricado, pois há uma relação mútua de interdependência dos três conceitos. Assim, minha ação/reflexão sobre o mundo e o conhecimento precisa ser realizada não apenas de forma inteligível, mas especialmente, carregada de emoções, a fim de que haja uma harmonia entre mundo, sujeito e conhecimento tal qual a observada nas experiências das quatro personagens apresentadas nesse texto.
Levar em conta a visão de outros sujeitos é exercer o principio da alteridade, e respeitar a relatividade das coisas. E ao se fazer isso, é possível aproximar-se mais do objeto de estudo, visto que somos o resultado de várias partes, com cargas e compostos diferenciados. Pelo que acima foi exposto, espera-se ter respondido as questões propostas dentro de uma coerência inteligível e sensível.


[1] Sintaxe à vontade, de O teatro mágico. Cd Entrada para raros. 2003.


Os textos "O mundo", "O conhecimento" e "O sujeito" compõem um único texto, e foi dividido em partes para favorer a leitura. 

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