Por: Paula Ivony Laranjeira
O conhecimento, eis o “objeto” de desejo de muitos,
porém pouco compartilhado ou irregularmente dividido. Mas o que é o
conhecimento? Se restringe apenas àquilo que está nos livros, preso aos signos
linguísticos e ignorado por analfabetos? É possível tocar o conhecimento ou
tomar posse dele? Poderia eu dizer que minha avó e minha mãe não adquiriram o
conhecimento?
Minha avó que jamais leu um livro e nunca pode fazer
compras sozinha, visto que não “conhecia dinheiro”, poderia ser o que muitos
chamam de pessoa sem conhecimento. Entretanto ela sabia orações em português e
latim, conhecia muitas lendas e histórias, fiava e tecia, fazia renda com birros,
costurava, sabia muitas receitas de bolo, conhecia ervas medicinais e suas
funções terapêuticas, sabia fazer partos, e especialmente sabia como ninguém
transformar nuvem em imagem e estas em pequenas histórias. Há quem diga que
minha avó passou pelo mundo sem possuir o conhecimento. Eu contesto. Ela
possuiu o conhecimento do que lhe era útil, aquilo que poderia ser tocado, sentido,
utilizado na dinâmica do cotidiano.
Se minha avó não teve o privilégio de ler, os livros
(folhetos de cordel e livros de orações) foram amigos da minha mãe. Apesar do
pouco tempo de estudo, ele aprendeu ler, mas por não permanecer na escola foi
privada do conhecimento legitimado e “transmitido” por essa instituição. Aprendeu
um pouco nas conversas com as irmãs que
puderam estudar, com os filhos e com os netos. Recebeu em vida a herança de sua
mãe, e com ela aprendeu todos os seus saberes, exceto transformar nuvens em
imagens e desconhecer dinheiro, pois isso, minha mãe conhece bem demais. Com
uma memória que invejo, ela ainda recorda contos populares, histórias de
cordel, poesias e músicas da sua juventude e para meu delírio, vez ou outra ela
me presenteia com uma pérola. Eis aqui outra detentora do conhecimento prático
das coisas. Em nossas conversas falo de algumas coisas para ela, explico outras
que ela desconhece, e ela também me explica. Construímos juntas o nosso quinhão
de conhecimento, numa troca recíproca e sempre reveladora.
Já minha irmã é detentora de um conhecimento que
envolve alguns desses saberes práticos, outros que adquiriu na escola, no
trabalho, na igreja e nas andanças da vida. Graças a uma bolsa de estudos pode
“formar para professora” como diziam na época, mas nunca exerceu a função. Foi
obrigada a adquirir outros conhecimentos voltados para o setor administrativo
no emprego que conseguiu numa empresa de agricultura, creio que isso a tenha
deixado em estado de letargia, satisfeita com o que já possui. Sem ambições que
a levasse a buscar novas janelas para o conhecimento, ela abreviou sua busca
pelo saber, e vai agregando aquilo que surge, sem ansiedade, sem grande curiosidade.
Porém, possui amplo conhecimento, e é a ela que muitas vezes recorro para tirar
uma dúvida, pedir uma informação e assim vou acrescentando mais dados a minha
rede e lhe fornecendo outros.
“Só sei que nada sei” com essa frase Sócrates nos
leva a conhecer nossos desconhecimentos e sugere que a busca do conhecimento é
uma constate. Voltando a minha meninice, recordo que um dos meus objetivos ao
entrar na escola era aprender-saber-conhecer. De fato, a escola me ajudou muito
nesse sentido: construir o conhecimento. Mas a cada passo que dou não adquiro
mais conhecimento, pelo contrário, me dou conta que muito pouco sei. Tenho a
consciência da existência de muitas coisas: nomes de planetas, rios, cidades,
países, escritores e livros, músicos e canções, sou capaz de refletir sobre
guerras, crises, acontecimentos e personagens históricos, regras gramaticais,
cálculos numéricos, etc. Entretanto, não foi apenas Sócrates que me fez repensar
sobre a dimensão do meu conhecimento, o meu avô também o fez. Certa vez, ele sentou-se ao meu lado e começou a me
fazer inúmeras perguntas sobre orações, medidas de terra, sobre o tempo e sobre
outras coisas que faziam parte do seu conhecimento prático. A cada pergunta,
ele me vencia e por fim disse que não adiantava estudar se eu não sabia das
coisas. Claro que tive vontade de perguntar várias coisas para meu avô e provar
que tenho meus conhecimentos. Acabamos a conversa com ele jogando charadas, que
claro não acertei. Nesse dia entendi que tudo que aprendi é insignificante diante
daquilo que ignoro. Aprendi que não há um ou o conhecimento, há muitos
desconhecimentos.
Estou passando pela vida, observando e tendo contato
com aquilo que está ao meu redor, e aquilo que está em outros espaços, e cada
vez mais percebo que o conhecimento, esse conjunto de saberes e informações que
vamos aglomerando ao longo do tempo, a partir da leitura que fazemos do mundo,
não se encontra apenas nos livros, ele está na troca de receitas entre mãe e
filha, nas histórias contadas pelos avós, no contato do lavrador com a terra,
nas rodas de conversa entre amigos, nos ventos que prenunciam a chuva, na voz
dos loucos, na caduquice dos velhos, na cultura dos incultos e nos saberes dos
ignorantes. Dessa forma, compreende-se que o conhecimento – essa leitura,
compreensão e transformação da realidade
– pode ser pensado de forma intelectiva, mas também numa esfera um pouco
mais sensorial e emotiva, apesar dessa última ser desprestigiada na sociedade
contemporânea.
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