7 de fevereiro de 2013

O conhecimento




 Por: Paula Ivony Laranjeira

O conhecimento, eis o “objeto” de desejo de muitos, porém pouco compartilhado ou irregularmente dividido. Mas o que é o conhecimento? Se restringe apenas àquilo que está nos livros, preso aos signos linguísticos e ignorado por analfabetos? É possível tocar o conhecimento ou tomar posse dele? Poderia eu dizer que minha avó e minha mãe não adquiriram o conhecimento?
Minha avó que jamais leu um livro e nunca pode fazer compras sozinha, visto que não “conhecia dinheiro”, poderia ser o que muitos chamam de pessoa sem conhecimento. Entretanto ela sabia orações em português e latim, conhecia muitas lendas e histórias, fiava e tecia, fazia renda com birros, costurava, sabia muitas receitas de bolo, conhecia ervas medicinais e suas funções terapêuticas, sabia fazer partos, e especialmente sabia como ninguém transformar nuvem em imagem e estas em pequenas histórias. Há quem diga que minha avó passou pelo mundo sem possuir o conhecimento. Eu contesto. Ela possuiu o conhecimento do que lhe era útil, aquilo que poderia ser tocado, sentido, utilizado na dinâmica do cotidiano.
Se minha avó não teve o privilégio de ler, os livros (folhetos de cordel e livros de orações) foram amigos da minha mãe. Apesar do pouco tempo de estudo, ele aprendeu ler, mas por não permanecer na escola foi privada do conhecimento legitimado e “transmitido” por essa instituição. Aprendeu um pouco nas conversas com as  irmãs que puderam estudar, com os filhos e com os netos. Recebeu em vida a herança de sua mãe, e com ela aprendeu todos os seus saberes, exceto transformar nuvens em imagens e desconhecer dinheiro, pois isso, minha mãe conhece bem demais. Com uma memória que invejo, ela ainda recorda contos populares, histórias de cordel, poesias e músicas da sua juventude e para meu delírio, vez ou outra ela me presenteia com uma pérola. Eis aqui outra detentora do conhecimento prático das coisas. Em nossas conversas falo de algumas coisas para ela, explico outras que ela desconhece, e ela também me explica. Construímos juntas o nosso quinhão de conhecimento, numa troca recíproca e sempre reveladora.
Já minha irmã é detentora de um conhecimento que envolve alguns desses saberes práticos, outros que adquiriu na escola, no trabalho, na igreja e nas andanças da vida. Graças a uma bolsa de estudos pode “formar para professora” como diziam na época, mas nunca exerceu a função. Foi obrigada a adquirir outros conhecimentos voltados para o setor administrativo no emprego que conseguiu numa empresa de agricultura, creio que isso a tenha deixado em estado de letargia, satisfeita com o que já possui. Sem ambições que a levasse a buscar novas janelas para o conhecimento, ela abreviou sua busca pelo saber, e vai agregando aquilo que surge, sem ansiedade, sem grande curiosidade. Porém, possui amplo conhecimento, e é a ela que muitas vezes recorro para tirar uma dúvida, pedir uma informação e assim vou acrescentando mais dados a minha rede e lhe fornecendo outros.
“Só sei que nada sei” com essa frase Sócrates nos leva a conhecer nossos desconhecimentos e sugere que a busca do conhecimento é uma constate. Voltando a minha meninice, recordo que um dos meus objetivos ao entrar na escola era aprender-saber-conhecer. De fato, a escola me ajudou muito nesse sentido: construir o conhecimento. Mas a cada passo que dou não adquiro mais conhecimento, pelo contrário, me dou conta que muito pouco sei. Tenho a consciência da existência de muitas coisas: nomes de planetas, rios, cidades, países, escritores e livros, músicos e canções, sou capaz de refletir sobre guerras, crises, acontecimentos e personagens históricos, regras gramaticais, cálculos numéricos, etc. Entretanto, não foi apenas Sócrates que me fez repensar sobre a dimensão do meu conhecimento, o meu avô também o fez. Certa vez,  ele sentou-se ao meu lado e começou a me fazer inúmeras perguntas sobre orações, medidas de terra, sobre o tempo e sobre outras coisas que faziam parte do seu conhecimento prático. A cada pergunta, ele me vencia e por fim disse que não adiantava estudar se eu não sabia das coisas. Claro que tive vontade de perguntar várias coisas para meu avô e provar que tenho meus conhecimentos. Acabamos a conversa com ele jogando charadas, que claro não acertei. Nesse dia entendi que tudo que aprendi é insignificante diante daquilo que ignoro. Aprendi que não há um ou o conhecimento, há muitos desconhecimentos.
Estou passando pela vida, observando e tendo contato com aquilo que está ao meu redor, e aquilo que está em outros espaços, e cada vez mais percebo que o conhecimento, esse conjunto de saberes e informações que vamos aglomerando ao longo do tempo, a partir da leitura que fazemos do mundo, não se encontra apenas nos livros, ele está na troca de receitas entre mãe e filha, nas histórias contadas pelos avós, no contato do lavrador com a terra, nas rodas de conversa entre amigos, nos ventos que prenunciam a chuva, na voz dos loucos, na caduquice dos velhos, na cultura dos incultos e nos saberes dos ignorantes. Dessa forma, compreende-se que o conhecimento – essa leitura, compreensão e transformação da realidade  – pode ser pensado de forma intelectiva, mas também numa esfera um pouco mais sensorial e emotiva, apesar dessa última ser desprestigiada na sociedade contemporânea.


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