5 de março de 2012

Arte e Esporte: Garrincha, Veemer e Miguel Ângelo



Há uma relação bem maior entre arte e esporte do que se possa imaginar, malgrado a crise na qual passamos, em que a economia procura separar as duas atividades de nosso cotidiano, colocando-as em esferas separadas para, assim, maximizar os lucros imediatos. Mas isto já é outro assunto que deve ser pensado com bastante cuidado. Em outra ocasião retomo-o, pois faz parte de minhas preocupações.

Quero agora me referir a um gênio, Garrincha, que apesar de todos os interesses financeiros que envolvem as duas atividades atualmente, às quais ele nunca aderiu, permanece assim mesmo no imaginário do povo. Explico-me. Atualmente as atividades tanto artísticas como esportivas foram, infelizmente, subjugadas aos interesses econômicos. Isto não significa que os verdadeiros artistas não estejam atentos a essa situação. Arte e esporte são atividades tão humanas quanto nobres, entre poucas outras. Resumindo: Garrincha era outra coisa e ao não aderir mostra-nos uma tomada de posição ética.


Vamos aos fatos para não nos desviarmos do que pretendemos expor.

Primeiro, há um anedotário bem corrente tentado mostrar que Garrincha era um idiota que apenas jogava bola com certa maestria. Não, Garrincha era inteligentíssimo, sensível e perspicaz.

São pouquíssimos os registros sobre Garrincha, mas há uma entrevista, concedida quando ele abandonou o futebol, na qual diz que fez o possível para dar alegria ao povo, mas, como já não tinha condições físicas, percebeu que era a hora de parar e retornar à vida simples que sempre almejou. Ou seja, recusou-se a ser o que hoje é lugar comum: uma celebridade. Não aderiu e buscou a paz e a liberdade.

Segundo. Garrincha tinha outra noção de espaço e tempo, e aí se aproxima de questões que interessam à arte, ou seja, outra visão de mundo. Vamos tentar entender. Hoje um jogador recebe a bola e imediatamente chegam outros jogadores adversários reduzindo-lhe o espaço. Se o jogador não for muito rápido, se não executar imediatamente a jogada, perde a bola. Garrincha recebia a bola e esperava que o espaço ficasse bem reduzido com a chegada rápida dos adversários. Este espaço se reduzia a dois metros quadrados. Assim reduzido, dava-lhe tempo para driblar, olhar a colocação de seus companheiros, enfim, executar a melhor e mais eficiente jogada em um tempo bem maior. Conclusão: dois metros quadrados para ele eram tão grandes como uma área de vinte. Poucos segundos eram ampliados para alguns minutos.  Ele tinha outro conceito de espaço e tempo. E isso é uma questão que interessa à arte.

Em um de meus livros procuro desenvolver essa questão.

Continuando. Há no Louvre um quadro do Veermer de poucos centímetros de área pintada - A Bordadeira - mas com um espaço plástico bem maior. E os afrescos de Miguel Ângelo que estão na capela Sistina têm um espaço plástico bem menor do que as réguas nos dão. Quero dizer que, como pintor, Miguel Ângelo não explorou o conceito que ele mesmo formulou para a escultura, ou seja, o do “no finito”. Se o fizesse, certamente o espaço plástico engendrado pelos afrescos seria outro. Daí um poeta americano, Michael Palmer, em um verso perguntar: "Como  medimos?"

Mas sou braqueano, e esse pintor diz: "Não procure convencer, contente-se em fazer refletir." Por extensão: não chegar a uma conclusão, mas ir adiante com outras elucubrações.

Mudando de assunto, mas não tanto: há um humorista e cartunista francês que diz que o maior anão do mundo tem a mesma altura que o menor gigante.

José Maria Dias da Cruz
Florianópolis – fevereiro de 2012

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