14 de fevereiro de 2011

E se eu fosse eu

"Quando não sei onde guardei um papel importante e a procura se revela inútil, pergunto-me: se eu fosse eu e tivesse um papel importante para guardar, que lugar escolheria? Às vezes dá certo. Mas muitas vezes fico tão pressionada pela frase "se eu fosse eu", que a procura do papel se torna secundária, e começo a pensar. Diria melhor, sentir.
E não me sinto bem. Experimente: se você fosse você, como seria e o que faria? Logo de início se sente um constrangimento: a mentira em que nos acomodamos acabou de ser levemente locomovida do lugar onde se acomodara. No entanto já li biografias de pessoas que de repente passavam a ser elas mesmas, e mudavam inteiramente de vida. Acho que se eu fosse realmente eu, os amigos não me cumprimentariam na rua porque até minha fisionomia teria mudado. Como?não sei.
Metade das coisas que eu faria se eu fosse eu, não posso contar. Acho, por exemplo, que por um certo motivo eu terminaria presa na cadeia. E se eu fosse eu daria tudo o que é meu, e confiaria o futuro ao futuro.
"Se eu fosse eu" parece representar o nosso maior perigo de viver, parece a entrada nova no desconhecido. No entanto tenho a intuição de que, passadas as primeiras chamadas loucuras da festa que seria, teríamos enfim a experiência do mundo. Bem sei, experimentaríamos enfim em pleno a dor do mundo. E a nossa dor, aquela que aprendemos a não sentir. Mas também seríamos por vezes tomados de um êxtase de alegria pura e legítima que mal posso adivinhar. Não, acho que já estou de algum modo adivinhando porque me senti sorrindo e também senti uma espécie de pudor que se tem diante do que é grande demais".
(Texto extraído do livro A Descoberta do Mundo, Clarice Lispector, editora Rocco, pg. 156). 
Encontrei este fragmento de texto da Clarice Lispector perambulando pela net, e desde então, o que já havia em mim de inquietação, ficou maior ainda...Talvez meu silêncio nos últimos tempos seja uma minúscula fagulha tentando incendiar-me para fazer vir à vida a ave que nasce das cinzas. 
Mas o silêncio é tão grande que já está incomodando. O silêncio tem sido amedrontador. E eu que tanto gosto do silêncio, preciso, neste instante, de multidão, mas uma multidão interna! 
E se eu fosse eu?

Estou certa de que a procura pela lucidez esclarecedora de quem sou me levara a muitas descobertas. Queres entrar nesta caça ao tesouro? Comece:

E se você fosse você, o que faria e o que sentiria?

7 comentários:

CESAR CRUZ disse...

Paula, que bom que voltaste! Que bom que o belo texto da Clarice parece ter servido como um assopro nesse pavio que fumegava, mas sempre pronto a acender!

espero por mais textos, sensíveis como este.

bjo
Cesar

Clédson Miranda disse...

Paulinha, eu estou assustado! Tenho um amigo no México que está aprendendo português para viajar pelo Brasil. Ontem, havíamos teclado pelo MSN e eu passei para ele alguns textos falados do meu blog... [você sabe como amo a Clarice!] e acabei passando este texto hoje de madrugada para ele e agora (10:00h), o que vejo aqui postado?! Dá para entender estas coisas? Melhor fazer como a própria: "Não se preocupe em entender... viver ultrapassa todo o entendimento!" Veja esse vídeo, minha querida: http://www.youtube.com/watch?v=re4-BJ7JccI .

Lindy Cardoso disse...

Se eu fosse eu não seria o que sou agora. Não pensaria o que penso. Não sentiria o que sinto. E me atiraria num penhasco de descobertas sem medo de morrer ou me machucar.
Essa sou eu? Não sei...

Anônimo disse...

Que belo texto. Também gostaria de uma multidão interna neste momento. Ficar sozinha comigo mesma tem me apavorado.

Sueli Gallacci disse...

Amigos queridos!

Perdoem-me por postar o mesmo texto de agradecimento a todos. Gostaria imensamente de abrir meu coração e escrever para cada um de vocês individualmente, mas o meu tempo é curto.

Em meu nome, em nome da minha filha e de toda a minha família MUITO OBRIGADA!

Obrigada pelo apoio, pelas orações, pelas palavras de carinho e esperança, enfim, obrigada por estarem comigo nesse momento. Isso tem feito toda a diferença para eu manter meu equilíbrio emocional e a minha serenidade.

Minha filha tem apresentado melhoras no quadro clínico, talvez saia da crise para continuar na espera do transplante com certa tranqüilidade. Graças a Deus!!!

A vocês dedico todo o meu carinho e minha gratidão!

Um beijo enorme, e que Deus zele por cada um de vocês.
Sueli Gallacci

manuel afonso disse...

Todos precisamos de tempos de recolhimento, de estarmos sós. Que bom estendido no sofá, com pouca luz e uma linda música baixinho.
Claro que tem há momentos em que barulho e movimento sabe bem. O que é bom é conseguirmos ter os dois.
Bjs

Ana Candida disse...

Parabéns! Brilhante ideia de por esse texto...