11 de julho de 2010

Marques Rebelo: um novo encontro ou reencontro

Bahia – 2010

Querido Marques Rebelo,

Como anda este seu-nosso Rio de Janeiro? De 1930 para cá modificou muito, não é?

Sim, quero dizer que tenho em mãos dois dos seus livros: “A guerra está em nós” e “A estrela sobe”, ambos reeditado pela José Olympio editora. Excelente idéia essa reeditar toda a sua obra. Tem muita gente que precisa te descobrir, ou até redescobrir seu trabalho.

Posso dizer que você me era totalmente desconhecido, ates disso, não fosse o ano de 2008, quando seu nome passa por mim. Eu dava um curso de literatura e estudava o livro “História concisa da Literatura Brasileira”, de Alfredo Bosi, conheci um pouco de você e sua obra. Claro, de forma concisa! Mas julgo que até aí, só seu nome conhecia. No entanto, em 2009, você quis se apresentar a mim, e pelos caminhos da vida talvez, o seu filho, José Maria Dias da Cruz me encontrou num site de relacionamentos, e agora conversamos através de e-mails e MSN. Falamos sobre algumas coisas e entre elas, você. Dele ganhei os dois livros citados. Ele fala de você com muito entusiasmo e amor, vejo que é seu maior admirador.

Marques, percebi que você é um “cara” genial, mas anda um pouco engavetado. O José me disse que isso é obra de um advogado nada honesto que impediu a divulgação das tuas obras, além de usurpar dos seus filhos o que você os havia deixado por direito. É lamentável como os seres humanos conseguem ser mesquinhos e desprezíveis em alguns momentos. Mas bola pra frente, que a José Olympio e o José estão revertendo a situação.

Porém, minha intenção ao lhe enviar esta carta, é simplesmente falar do meu encantamento ao ler seus livros. Em “A guerra está em nós”(lançado em 1968 e reeditado em 2009), viajei pelo enredo, percorrendo o período ditatorial. Gostei muito de a escrita dar-se como em um diário, sendo narrado durante os anos de 1942, 1943 e 1944, numa sucessão de dias. Sempre gostei muito de tudo que se refere a este período. Então, imagine como saboreei descobrir a cada página o cotidiano daquela época. Vi que você brinca com o real dentro da ficção, e isso me deixou maravilhada. Ah, o Rio de Janeiro em meio à ditadura, o cerceamento da liberdade e a guerra mundial, ainda tinha ânimo para fazer o seu carnaval. Política, literatura, música e o dia-a-dia, elementos da memória brasileira, da sua memória, Marques, que nos permite também voltar no tempo, imaginar e também nos encantar e indignar com o momento histórico, com os tipos cariocas, brasileiros que vieram antes de nós. E antes, apenas vistos em filmes, livros de história, e ali em tuas páginas, eram reais, graças ao poder do imaginário.

Mas gostei mesmo foi de “A estrela sobe” (lançado em 1939 e reeditado em 2009). Talvez seja pelo fato de, junto do teu Rio de Janeiro, apresentar os dilemas vividos por uma mulher na década de 30. Sobre a mulher e sua luta neste período, Celi Pinto (2003, p. 33) alerta, “temos de ter em mente que essas manifestações ocupavam as franjas da sociedade. Ou seja, não se constituíam nos assuntos que pautavam as preocupações das elites políticas e culturais da época”. Mas vejo que isso não se aplica a você, pois trouxe uma mulher cheia de sonhos, que fez de tudo para conseguir a independência financeira, não seguir os passos da mãe – mãe, esposa e dona de casa. Você traz mulheres que trabalham (lavam, passam, cozinham, donas de hospedaria, cantoras de rádio, vendedoras, prostituas, operárias, etc.), que repele o amor verdadeiro e se entrega a “vida fácil” para possuir a liberdade. mas noto que você não deixa esta mulher “ao Deus dará”, solta, desamparada. Você a impede de ser apedrejada pelos leitores quando apresenta suas inquietações, seus dilemas, seus sonhos e a forma com que é/são enganada em sua inocência por falsos “amigos”. Lenilza, esta mulher que vive no mundo das cantoras de rádio me encantou, mas não é para menos, vistes o que dela falou Temístocles Linhares, pois bem, reproduzo aqui: “é figura incomparável e sua importância a coloca em primeiro plano no romance brasileiro de todos os tempo”. Marques, fiquei intrigada com uma coisa: Lenilza e Macabeia... “A estrela sobe” e “A hora da estrela” ... Marques Rebelo e Clarice Lispector...É possível haver aí alguma relação? Sei lá o motivo, mas pensei nestas duas personagens.

Acho que já estou ficando prolixa. Quando pego a caneta...Ou melhor, o teclado...

Marques, saiba que foi um prazer conhecê-lo.Até mais...



Fique bem...Abraços

Paula

Sobre o autor



Marques Rebelo (nome literário de Eddy Dias da Cruz), jornalista, contista, cronista, novelista e romancista, nasceu no Rio de Janeiro, em 6 de janeiro de 1907, e faleceu também nessa cidade em 26 de agosto de 1973.

Segundo ocupante da cadeira 9, que tem por patrono Gonçalves de Magalhães. Eleito a 10 de dezembro de 1964, na sucessão de Carlos Magalhães de Azeredo, só veio a tomar posse em 28 de maio de1965, recebido por Aurélio Buarque de Holanda.

Sobre ele: site da Academia Brasileira de Letras: http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=142

Sobre ele artigo: "O Rio é o mundo:Marques Rebelo no seu centenáriodo" prof. Dr. Mário Luiz Frungillo: http://www.forumrio.uerj.br/documentos/revista_20-21/Cap-9-Mario_Frungillo.pdf

“A estrela sobe” virou filme em 1974, dirigido por Bruno Barreto e com roteiro baseado no livro homônimo de Marques Rebelo. Tendo Betty Faria no papel de Lenilza.

Obras

Romances

  • Marafa (1935)
  • A estrela sobe (1939)
  • O espelho partido
    • O trapicheiro (1959)
    • A mudança (1962)
    • A guerra está em nós (1968)

Novelas

  • O simples coronel Madureira (1967)

Livros de contos

  • Oscarina (1931)
  • Três caminhos (1933)
  • Stela me abriu a porta (1942)

Contos avulsos

  • Conto à la mode
  • Acudiram três cavaleiros
  • O bilhete (1966)

Teatro

  • Rua Alegre, 12 (1940)

Crônicas

  • Suíte nº 1 (1944)
  • Cenas da vida brasileira (1951)
  • Conversa do dia (1951, 1953, 1954)
  • Cortina de ferro (1956)
  • Correio europeu (1959)

Biografias

  • Vida e obra de Manuel Antônio de Almeida (1943)

11 comentários:

Unknown disse...

Paulinha,

Em 2004 a editora Global selecionou uma série de crônicas de Rebelo. A seleção e o prefácio são de Renato Cordeiro Gomes. Nessas crônicas podemos ver a perenidade de um bom cronista. Ele alia humor, certa doze de sarcasmo numa escrita cativante. Neles podemos ver também o quanto nossos problemas sociais parecem insolúveis.

Eliane F.C.Lima disse...

Cara Paula,
Agradeço sua ida a meu blogue "Literatura em vida 2". Parece que este seu espaço aqui tem muitas afinidades com ele. E a afinidade maior está em gostarmos de literatura. Depois que vim aqui e vi a qualidade, fiquei orgulhosa de sua visita. Volto sempre.
E tudo aqui é bom, incluindo os quadros tão esteticamente reproduzidos.
Fiquei pasma com a frase premonitória do José de Alencar acima. Ele parecia profetizar a internet. Era realmente um escritor especial.
Eliane F.C.Lima

Paula: pesponteando disse...

Rogério, Acabou de sair tbm do Rebelo uma seleção de contos...Ainda não li as crônicas, mas volta e meia garimpo algo dele. Tenho gostado muito.Ele está sempre mexendo com questões q envolvem o mundo real.

Eliane, Quando ví a frase isolada tbm achei q ele Alencar estava fazendo premonições, mas o texto completo tira isso. No entanto, gostei e resolvi deixar assim. Este fragmento pertence ao livro "Ao correr da pena", crônicas bem interessantes. Obrigada pelas palavras de incentivo, eu é q fico imensamente feliz com sua visita, alguém q tanto se dedica á literatura. E mais, com a mulher autora no mundo literário. Estarei sempre por lá...Abraços

Iremar Marinho disse...

Paula, venho bisbilhotar aqui de novo e sempre,
e lhe parabenizar pelo post sobre o Marques Rebelo da Estrela.

Anga Mazle disse...

Puxa, Paula, vim aqui para retribuir a visita e lhe agradecer pelo generoso comentário e... dou de cara com esta sua inspirada "conversa" com o grande Marques Rebelo. Eu o leio desde o início da adolescência, por influência de um primo de meu pai que foi amigo dele. Ganhei do Tuca, no Natal de 2007, "O Rio do Bota-Abaixo", maravilhoso livro de fotos do Rio de Janeiro de Pereira Passos comentadas por Marques, então já bem velhinho, em parceria com o Antonio Bulhões, outro escritor de primeira ("Estudos para a mão direita" é um livro de contos excelente).

O paralelo que você faz entre Marques e Clarisse tem tudo a ver. É claro que o parentesco entre os títulos induz a isso, mas o conteúdo confirma de certo modo a aparência. Afinal, eles foram contemporâneos, e tinham em comum, no mínimo, um grande amor pelo Rio e a aguçada sensibilidade. "A estrela sob" é uma jóia, infelizmente menos conhecida que o filme - que não é lá essas coisas, com aquela embalagem de cinema-novo-pra-hollywoodiano-ver que os Barreto introduziram e transformaram em moda no Brasil.

Enfim, parabéns pela postagem inspirada e mais do que oportuna. Com toda justiça, você recebeu aqui um comentário elogioso da Eliane Lima, grande mestra de literatura brasileira.

Bjs

Anônimo disse...

Paula..
não conhecia Marques Rebello...
e nem conheço...
preciso conhecer...ler...
para saber...
muitos beijos
Leca

Fred Matos disse...

Acho que ele adoraria ler a sua carta, Paula.
Ótimo fim de semana.
Beijos

Gerana Damulakis disse...

Grande postagem. Valeu!

Anônimo disse...

Agradeço...
principalmente...você...
querida leitora...
por me inspirar...

Beijos
Leca

Paula: pesponteando disse...

Iremar, Obrigado, e fique á vontade para bisbilhotar sempre. abraços...

Anga, já faz algum tempo que li o texto da Clarice, mas ao ler o do Marques, algo veio na cabeça, essas duas mulheres cheia de sonhos, sempre lutando por um futuro diferente. Além da questão introspectiva. Posso está trocando as coisas pq não analisei nenhum, apenas degustei em tempos diferentes ambas as leituras. Obrigada pela visita e comentário. bjs

Leca, vale a pena conhecer...bjs

Fred, obrigada pela visita.

Gerana, obrigada.

Tais Luso de Carvalho disse...

Oi Paula!

Hoje vim convidar você para uma visita ao Porto das Crônicas a fim de participar do lançamento do livro do nosso amigo Cesar Cruz - o patrono do blog ‘Os Causos do Cruz’. Acho que unir nossas forças e dar estímulo a um amigo da blogosfera é abrir mais nosso leque de leitores e de incentivo a todos os que escrevem, e que, além de essencial, é um reconhecimento e carinho a todos nós que gostamos de escrever. O post é ‘O Homem Suprimido’.

Beijos
Tais luso