23 de junho de 2009

ENCONTROS E DESENCONTROS NA HISTORIOGRAFIA DA LITERATURA BAIANA


SOUZA, Paula Ivony Laranjeira de. Encontros e desencontros na historiografia da Literatura Baiana. In: A construção da memória em Aleilton Fonseca: Ficção X realidade. Caetité -BA: Monografia, UNEB, Dezembro de 2008.


Pensar a literatura brasileira sem pensar a influência da literatura baiana na mesma é despir-se de uma parte fundante e extremamente rica, levando-se em conta que as primeiras manifestações literárias se deram na Bahia do século XVII, quando surgia o Barroco e seu grande representante Gregório de Mattos. Ainda é possível destacar o “poeta da liberdade”, Castro Alves, que durante o período Romântico abrilhantou as letras da Bahia. Mais recentemente deve-se citar Jorge Amado e João Ubaldo Ribeiro. No entanto, faz-se necessário repensar a historiografia da literatura baiana apresentando seu passado a fim de perceber sua riqueza, muitas vezes maquiada em formas maltrapilhas. Isso porque, apesar do reconhecimento nacional dos nomes citados, muitos outros caíram no esquecimento, sem contar aqueles que se quer foram conhecidos. Lacuna maior tem-se no século XX desde o período modernista, onde muitos autores foram despojados do reconhecimento de modernistas. Questão essa polêmica, visto que a produção, apesar de tardia em relação a São Paulo aconteceu. Da mesma forma que em São Paulo foi tardia em relação à Europa.

Salienta Aleilton Fonseca (apud RIBEIRO, 2002, p. 226), que “cada geração terá de contar a sua história, preencher seus vazios, descobrir sua linguagem, estabelecer sua memória”. Partindo desse pressuposto, é necessário falar de autores que diariamente vem buscando esse aprofundamento literário, autores que não sem luta tem construído uma sólida literatura no Estado da Bahia, dando continuidade a tradição literária iniciada com Gregório, e fortalecida ao longo dos séculos por vários movimentos culminando até o momento com os expoente da literatura da década de 1980.

Em meados do século XVII, encontra-se na Bahia o maior representante da literatura barroca no Brasil, ou como diz Pedro Calmon (1962, p. 30), “Gregório de Matos – o maior poeta da século, no Brasil”, título esse que enche de honra o passado literário do referido estado. Gregório de Matos, conhecido popularmente como “Boca do inferno”, é responsável por uma literatura ímpar, que apresentou em forma de poesia lírico-sátirico-religiosa as “verdades” sobre a sociedade da época.

Mas além de Gregório, o Barroco teve outros representantes baianos: Padre Eusébio de Matos, irmão de Gregório de Matos, que é tido como alto representante da prosa barroca no que se refere à oratória sagrada dos jesuítas. É figura secundária da época com referência a Vieira, e junto com Bernardo Vieira Ravasco, foram responsáveis pela travessia do Barroco de Padre Antonio Vieira à Gregório de Matos; Botelho de Oliveira, referido como “um poeta-literato stricto sensu, capaz de escrever com igual perícia em quatro idiomas e nas várias formas fixas (...) sonetos, madrigais, redondilhas, romances...” (BOSI, 1976, p. 44); Frei Manuel de Santa Maria de Itaparica, e Nuno Marques Pereira, apresentado por Bosi (1976, p. 41) como baiano, autor de Peregrino da América, uma prosa narrativa barroca. Mas segundo Calmon (1962, p. 35), há duvidas quanto a nacionalidade deste autor, apesar de Varnhagem se referir a ele como brasileiro nascido em Cairu na Bahia no ano de 1652.

Com referência ao período arcádico, cita-se o baiano Domingos Borges de Barros, elevado por Antônio Cândido ao dizer que “há nos poemas de Borges de Barros aquelas cadências de difusa sentimentabilidade que se afasta da Arcádia galante para tocar motivos pré-românticos: o ‘vazio d’alma’, a melancolia, a saudade, a magia, a solidão” (apud BOSI, 1976, p. 92), o que demonstra que estava a frente do seu tempo, no entanto, deixou de ser um notável por ser um poeta irregular que oscilava entre o banal e o medíocre.

Do período romântico ao parnasiano Alfredo Bosi destaca nas letras baianas: Junqueira Freire, Luiz Gama, Castro Alves (Mais conhecido como “poeta dos escravos” ou “poeta da liberdade”, ocupa um lugar de destaque na literatura romântica por não ter limitado seu texto à simples expressão do desejo de amar. Além de trabalhar uma temática social. Seu estilo influenciou muitos amigos e colegas.), Agrário de Meneses – no romantismo - ; Afrânio Peixoto e Xavier Marques – no naturalismo - ; e Ruy Barbosa – no Parnasianismo -. Já Pedro Calmon (1962, p. 196 - 205) no capitulo XXVI – A geração insigne – é bem mais generoso e cita: Antônio Alves Carvalhal, autor de O monitor, o qual marcou sua curta passagem pelos folhetins satíricos da imprensa baiana; Plínio Augusto Xavier de Lima, nascido na cidade de Caetité, colega e amigo de Castro Alves, morreu aos 25 anos em sua cidade natal, segundo Calmon (p. 197) foi um dos mais fulgurantes espíritos de sua época, sendo descrito pelos contemporâneos como “um poeta de inspiração larga e mimoso lirismo”. Seus versos foram reunidos e publicados em 1928 com o título de Pérolas renascidas, e publicadas com a colaboração de João Gumes; tem-se ainda, Rozendo Moniz Barreto (Citado por BOSI, 1976, p. 226. No entanto não há referência quanto a origem.), que teve posição destacada na cultura nacional e a publicação de vários livros entre eles: Contos da aurora – poesia – e Favos e travos – romance – este autor possui estilo e sopro retórico, característica da sua geração; João Batista de Castro Rebelo, que escrevia sátiras em versos alexandrinos puros apresentava “o sentimento dulcificado, senão a amabilidade material, do homem de espírito” (p. 199); João José de Brito, autor de Vozes no ar (1877) e Forasteiras (1885), detentor de uma poesia “lânguida e harmoniosa” (p. 200); Francisco de Castro com sua obra Harmonias errantes (1878); Melo Moraes Filho, autor de Cantos do Equador e mais nove títulos, escreveu principalmente sobre e contra o progresso cosmopolita, seu estilo era “ameno, mais claro do que florido, exatamente para valorizar o caráter jornalista de seus depoimentos (...) foi um memorialista excepcional” (p. 202). Na prosa, Calmon destaca: Ruy Barbosa; Aristides Milton; César Zama; Eduardo Ramos; Constâncio Alves; Urbano Duarte, entre outros.

Na seqüência deste período, Alfredo Bosi (1976) destaca no período simbolista: Pethion de Vilar, Pedro Kilkerry, Francisco Mangabeira, Durval de Moraes, Galdino de Castro, Artur Sales, e Álvaro dos Reis. Nas Tendências contemporâneas apresenta Jorge Amado e cita em nota de rodapé Sosígenes Costa e Herberto Sales. Curiosamente no período Modernista não aparecem baianos. No entanto, Valdomiro Santana (1986), apresenta a literatura na Bahia da década de 20 a 80 como muito fecunda, não só em autores e produções, mas em movimentos, dos quais resultam revistas, e literatos com representatividade nacional. Em Literatura baiana 1920 – 1980, de Valdormiro Santana, encontram-se vários depoimentos, no entanto o livro nada mais é do que um celeiro de memórias, onde literários relembram o início ou percurso da (sua) vida literária, bem como a trajetória quase desconhecida da literatura na Bahia. Percebe-se nas palavras dos autores certa dose de saudosismo, alegria e às vezes a exposição das dificuldades vencidas ou não em certas ocasiões.

Sem participar de nenhum movimento Jorge Amado (apud SANTANA, 1986, p.), na década de 20, destaca Eugênio Gomes com o poema Moema e Godofredo Filho, com o Poema de Ouro Preto – os precursores do modernismo baiano -. Fora esses, os autores seguintes estão engajados em vários movimentos. Um dos primeiros grupos foi a Academia dos Rebeldes, com existência de 1927 a 1931, liderado por Pinheiro Viegas, esse movimento tinha como membros: Alves Ribeiro, Dias da Costa, Sosígenes Costa, Jorge Amado, entre outros. Em seu depoimento Jorge Amado (apud SANTANA, 1986, p. 15), fala sobre o grupo: “queríamos uma literatura nacional, mas com um conteúdo capaz de se universalizar. Tivemos a revista Meridiano que só saiu um número e onde está nosso manifesto. Quer dizer, vivíamos o espírito do modernismo – mas tínhamos uma certa desconfiança desse movimento (...)”

Sosígenes Costa, cuja obra permaneceu por muito tempo desconhecida do leitor, escreveu Iararana, texto marco do Modernismo, descrito por Cid Seixas (1996, p. 46) como a grande epopéia do modernismo grapiúna, contando a história da raça brasileira a partir da imposição de valores civilizatórios greco-romanos às culturas nativas do país. O que demonstra que o autor está ciente da proposta antropofágica de destruir o mundo clássico, devorá-lo e depois o digerir, fazendo nascer algo novo através da origem mitológica do cacau. Vale salientar que a proposta cultural da antropofagia baiana não é a “simples formulação teórica do manifesto oswaldiano, mas a tradução de uma prática elaborada pelo processo criador do escritor brasileiro; ou de qualquer escritor comprometido com a modernidade” (SEIXAS, 1996, p. 46 -47).

Concomitante com a Academia dos Rebeldes existiam dois outros grupos. Um dos quais gerou a revista Arco & flecha, datada de 1928 a 1929, com cinco números contidos em três fascículos. A revista nasceu provinciana com a intenção de publicar os primeiros textos de seus membros. O grupo se formava em torno de Carlos Chiacchio que autodenominava o grupo como portadores de um “tradicionalismo dinâmico”, diferenciando-se assim em certa medida das propostas feitas em São Paulo e Rio . No entanto, Godofredo Filho, em Feira de Santana, - considerado no eixo Rio-S.P. como modernista de primeira águas - fora quem inicialmente “divulgou” aos intelectuais baianos o novo espírito das letras e das artes. O grupo da Arco & flecha até então se sentia incomodado pelo conformismo e estado de estagnação da literatura na Bahia, bem como a monotonia das produções. Esse era também o estado de espírito dos baianos em 1922, apesar de não saberem o que acontecia no Rio e em São Paulo, já que as noticias só chegavam ao Estado mais de um mês depois, através de jornais que eram trazidos por via marítima como afirma Carvalho Filho (apud SANTANA, 1986, p. 24). O terceiro grupo era o da revista Samba, liderado por Bráulio de Abreu, que por ser economicamente mais fraco, levou a revista a ter menos repercussão.

De 1945 (1948?) a 1960, tem-se uma revista que fazia oposição ao academicismo -Caderno da Bahia -. Saídos do clima da Segunda Guerra Mundial, esse grupo tinha como anseio ao lado da conquista literária e artística, o desejo de liberdade pessoal e política. “Exprimir com liberdade o que sentíamos. Não só em relação aos outros mas em relação a nós mesmos” (MAIA, Vasconcelos. Apud SANTANA, 1986, p.39). Dos seus membros, destaca-se: Cláudio Tuiuti Tavares, Darwin Brandão, Wilson Rocha e Vasconcelos Maia (fundadores); e Heron Alencar, Lígia Sampaio, Hélio Vaz, entre outros citados. O grupo tinha aspirações modernas aprendidas com a Semana de 22, mas sem pretensões de sacrificar os valores baianos.

Já Ângulos – com 17 números – revista literária financiada pela Universidade Federal da Bahia, surge em 1952 e vai até 1961. A universidade na época era o centro de produção e irradiação da cultura, no entanto Ângulos foi um instrumento contra o academicismo e a acomodação intelectual.

Ainda é possível fazer referência a revista Mapa que surgiu em 1958 - teve três números – com a proposta de romper com a inércia cultural, a dominação academicista e o preconceito contra a arte moderna. Criada por Fernando Perez e Glauber Rocha, destaca-se entre seus autores Sônia Coutinho, Myrian Fraga, Godofredo Filho, David Salles e Campinam.

Antônio Brasileiro ganha destaque com a criação de duas revistas: Cordel lançada em meados de 1967 e em final do mesmo ano Serial. Cordel teve sete números, era voltada para a prosa, tendo durado até 1969. Já Serial publicava poesia e teve 10 números publicados ao longo do tempo, sendo que a 10ª edição foi lançada em 1981, apresentando em suas várias edições poesias de vários autores.

A partir de 1979 se reúne na biblioteca dos Barris em Salvador um grupo de escritores com o nome de Clube da Ficção, com criação e organização de Adinoel Mota Maia. Era um movimento de profissionalização do escritor baiano, ao qual fazia parte entre outros, Ariovaldo Matos e Vasconcelos Maia, já consagrados; Carlos Ribeiro, Gláucia Lemos, Orlando Pereira dos Santos, Marcos A. P. Ribeiro, Mirella Márcia, e Aleilton Fonseca. Como em todo grupo literário, esse também teve a criação de uma revista, esta nomeada de Aqui Ficção, que era vendida no Paes Mendonça, esse grupo é conhecido como Os Novos.

Observa-se que ao longo da história sempre existiram movimentos literários, os quais, como ressalta Aleilton Fonseca, “mantêm a literatura viva, dinâmica, evidente”, estimulando o surgimento de novos autores, as leituras, o debate constante, o convívio, as edições de novos livros e revistas, as disputas e os registros para a história. Dessa forma, “a vida literária movimenta o corpo da literatura, tornando-a um organismo vivo e plural”. No entanto, a vida de escritor se mostra muito difícil, já que na Bahia “um autor publica dez livros, os jornais noticiam todos, e nem assim ele se torna conhecido e respeitado como escritor. Nosso estado ainda não assimilou a literatura e o escritor como elementos da cultura e da economia que valem a pena como investimento simbólico e econômico. Não se promovem os escritores no sistema de ensino, não se promove o livro como bem de consumo importante e indispensável à formação integral do cidadão. Tudo que se faz aqui é muito pouco e sem perspectiva de continuidade e de consistência. A Bahia precisa de uma política de educação para a leitura, uma campanha de valorização do livro para consumo cotidiano. (FONSECA, Aleilton. 2008) ” (Entrevista concedida por Aleilton Fonseca em 26/11/2008, a Paula Ivony L. de Souza.)

É interessante observar que o fluxo literário na Bahia é grande, apesar de alguns autores limitarem suas publicações as revistas nascidas de movimentos literários. O que se nota é a falta de mais divulgação interna e nacional. Problema este fortalecido segundo Guido Guerra (apud SANTANA, 1986, p. 65 - 74) pela falta de uma editora baiana com tendência a divulgação especialmente nacional. Devido a essa carência, muitos autores se vêem obrigados a sair do Estado na intenção de uma maior divulgação do trabalho.

Na busca de dias melhores para o fazer literário, muitos autores persistem, insistem e fazem a diferença. Este é o caso de Aleilton Fonseca, que “ancorado” num saudoso passado tem presenteado e fascinado os leitores com mágicas “representações” do mundo, ao mesmo tempo revela dimensões do real através do seu olhar sobre a realidade. Este brilhante autor traz em sua narrativa uma vertente que vem desde Machado de Assis e desemboca na admirável precisão de Graciliano Ramos, se é que se pode tentar uma analogia de vozes sem apagar insensivelmente a natureza própria de cada um destes escritores tão diferentes entre si, e ao mesmo tempo tão semelhantes.

Referencial bibliográfico

(Não disponível nesta publicação)

4 comentários:

Gustavo Felicíssimo disse...

É isso e muito mais, Paula. Vejo que boa parte das suas referências são de autores de fora do nosso estado, que talvez não conheçam nossa história literária com tanta intimidade, como o Bosi, por exemplo. Onde fica Eurico Alves entre os modernistas (aliás, não gosto do modernismo) na Bahia? Onde fica Fernando Joaquim Pereira Caldas (poeta tão bom quando Cruz e Souza) entre os nossos simbolistas? Há algumas versões de Iararana, sabia? Mas JPP só trouxe à baila aquela que mais o interessava. Onde estão as outras versões? Perderam-se? Falta a muita gente a honestidade intelectual que busco para poder olhar nos olhos dos meus pares sem qualquer receio. Tô fora de grupelhos, de gerações e grupos de escritores que se premiam entre si, vergonhosamente.

Paula: pesponteando disse...

Gustavo, Minha intenção é justamente mostrar que há uma lacuna, que temos muitos autores desconhecidos, ignorados, mas não só fora do estado, aqui também desconhecemos nossos escritores. Muitas vezes é preciso adentrar a universidade para saber que a lit. baiana é viva e atuante. vivo em uma cidade do interior onde se ignora as nossas produções. Algumas pessoas que sei que tem o habito da leitura, se dedicam apenas aos exotericos ou aos best sellers. Há alguns que se dedicam a leituras mais interessantes, mas geralmente, a leitura é feita com fim em si mesma, ñ adentram o texto...
Para produzir o texto acima contei com o mínimo de referencias, mas qdo cito Bosi, que é um autor de referencia, é só para chamar a atenção para o fato dele deixar de fora tanta gente. Assim, História concisa, não pode ser considerada a bíblia da literatura, claro que ñ se pode retirar a importância de seu conteúdo, isso seria insanidade. Acabei de chegar no mundo da literatura...estou me alfabetizando...assim, perdoe as incoerências...abraços

Anônimo disse...
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Anônimo disse...
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