Reconhecida e prestigiada, a escritora baiana Adelice Souza, 38 anos, possui
em sua bibliografia o romance: O homem que sabia a hora de morrer (Editora
Escrituras), os livros de contos As
camas e os cães, de 2001 (Prêmio Copene de Literatura e Prêmio José Alejandro
Cabassa/União Brasileira de Escritores - RJ); Caramujos zumbis, de 2003 (Prêmio
Banco Capital, obra que, ainda este ano, será reeditada) e Para uma certa Nina,
de 2009 (inaugurando o projeto Cartas Baianas). Adelice também se destacou como
a única representante da Bahia na coletânea nacional de contos 30 mulheres que
estão fazendo a nova literatura brasileira (2005), organizada pelo escritor e
jornalista Luiz Ruffato.
Por: Poliana Dantas e Edvando Junior
– Quem é Adelice Souza escritora?
Adelice Souza – É uma escritora que escreve muito menos do que gostaria, mas as atividades com o teatro, o yoga e o doutorado em artes cênicas têm tomado muito o tempo. Os livros estão sendo concebidos, são muitos projetos futuros, muitos desejos, mas escrever mesmo algo novo creio que só em 2015.
– Como você consegue administrar sua carreira
entre o teatro e a literatura?
Adelice – Não consigo administrar (risos)… Quando faço teatro, não faço literatura. Quando faço literatura, não faço teatro. Aí resolvi montar no teatro textos meus, assim, ao menos, a dramaturgia está lá, representando a literatura. Não consigo me dividir pois sou muito intensa nas coisas, faço imersões de tal forma que não consigo pensar em outra coisa a não ser na criação atual. Assim, tocar dois projetos ao mesmo tempo se torna difícil.
– A literatura que você produz é definida por
Carlos Ribeiro como um “Baú de Estranhezas”, ou seja, estranheza radical. Você
acha que essa característica é pertinente a sua escrita?
Adelice – Gosto muito do escritor Carlos Ribeiro. A prosa dele é uma das nossas melhores prosas. E fiquei muito feliz com esta resenha da Iararana. E creio que há sim. Alguns temas estranhos me interessam em demasiado: o universo fabuloso, insólito e principalmente a morte, assuntos relacionados com a morte. Acho que sempre estou a escrever sobre a morte, este nosso mistério mais insondável de todos os mistérios…
–
Quais são suas inspirações/influências no universo literário?
Adelice – Os absurdos e fantásticos como o Cortazar, o Murilo Rubião, o Kafka, o Campos de Carvalho. E a Nélida Piñon, com toda sua delicadeza e precisão linguística. Mas gosto dos canônicos que beiram a espiritualidade como o Herman Hesse, o Tagore, o pré-socrático Empédocles (aliás, todos os pré-socráticos são maravilhosos). E gosto muitíssimo de ler almanaques, livros sobre plantas e bichos.
–
Conte-nos um pouco sobre sua carreira no teatro?
Adelice – O teatro é a minha primeira profissão. Embora eu tenha estudado Publicidade e Propaganda. Mas não sei vender nada. Meu teatro é quase anti-comercial. Tenho buscado o sagrado do palco, quero levar as técnicas e a natureza poética do Yoga para as artes cênicas. Acho que poucas pessoas se interessam por isso, mas é isso que sei fazer. Minhas últimas peças Jeremias, Profeta da Chuva;Francisco, um Sol; e Kali, Senhora da Dança, trazem temas sagrados, oriundos de diversas culturas religiosas como o Cristianismo, o universo das crenças sertanejas fruto de uma herança ibérica ou de um universo hindu. A próxima será sobre o grande filósofo e poeta Empédocles, que morreu, unindo-se ao seu Deus, o fogo do vulcão Etna. É isso que me encanta agora tanto na literatura quanto no teatro: estar perto de Deus.
–
Em alguns contos que compõe as obras as Camas e os Cães (2001), Caramujus
Zumbis (2003) e Para uma certa Nina (2009), percebe-se a presença de uma
escrita envolvente, marcado por traços eróticos. De onde veio tanta inspiração
para produzir esses contos?
Adelice – A Elis Franco e a Suelen Gonçalves, da Universidade de Feira de Santana e da Universidade de Niterói estudaram o erotismo nos meus contos e a Cássia Lopes, na orelha do primeiro livro, pontuou este assunto.
–
Você considera o livro “O Homem que Sabia a Hora de Morrer” como um divisor de
águas na sua carreira? Desde o lançamento o que mudou de lá para cá?
Adelice – Creio que é o meu livro mais importante. Ele é pueril, juvenil, simples. Mas me emociona sempre que leio, me arranca lágrimas e fico impressionada em gostar de ser leitora do meu próprio livro. Ele foi ofertado aos meus pais e meus avós. É um livro que fala de morte, de ancestralidade, das minhas origens de uma vida mais natural. Acredito que nada mudou de lá para cá e ao mesmo tempo, tudo mudou. É o meu primeiro romance, gosto dele, gosto da forma hibrida da linguagem que une cultura popular com a oralidade canônica de Homero. É uma parceria do teatro com a prosa e a literatura. Quero fazer isso sempre, porque gosto de transitar entre as diferentes artes. No lançamento, havia um trio nordestino e uma quermesse do interior na Biblioteca Central dos Barrís (2012). Nos outros lançamentos toquei sanfona em homenagem a São João do Carneirinho, tão citado no livro. Quero continuar fazendo isso, misturar a escrita com os santos, com as músicas, com as cenas.
–
Como você analisa o panorama atual da literatura baiana?
Adelice – Há uma diversidade temática que me encanta muito. Há boa literatura para todos os gostos e idades. Desde uma prosa mais urbana de Victor Mascarenhas, passando pela delicadeza da poesia deKarina Rabinovitz até as metáforas perfeitas dos grandes Myriam Fraga, Ruy Espinheira Filho, ao teatro de Cleise Mendes, tantos, tantos outros. Gosto do que estamos produzindo. Sou fã da nossa literatura e fico feliz em ser amiga da maioria destes escritores contemporâneos meus.
–
Fale-nos sobre a emoção de estar concorrendo ao Prêmio Jabuti 2013 na categoria
Juvenil?
Adelice – Uma glória íntima, uma felicidade, um agradecimento aos deuses. Quero que este bichinho em forma de prêmio venha morar na minha casinha que tem o nome de Fuloresta Encantada. Fico feliz que a Bahia esteja lá, também, através de mim e do teatro de Aldri Anunciação com o Lázaro Ramos, com o Fernando Santana, estes dois últimos meus colegas no Liceu de Artes e Ofícios. A indicação é uma honra que me deixa muito feliz e agradecida a tudo e todos que ajudaram na feitura do livro “O Homem que Sabia a Hora de Morrer”. Aos meus avós, meus pais, meus mestres, meus amigos, meus companheiros e os escritores desta terrinha. Ao Affonso Romano de Santana, que me deu o presente de fazer a apresentação do livro. Ao Rogério Duarte, meu professor de sânscrito, que teve uma leitura atenta e carinhosa. Ao Claudius Portugal, tão presente sempre nas minhas andanças nas letras.
– Você está sempre participando de
eventos como: oficinas, cafés, palestras, apresentações teatrais, feiras
literárias, etc. Por estar sempre envolvida com teatro e literatura, existe
algum projeto ou algo que gostaria de fazer nessas áreas, mas que ainda não pôs
em prática?
Adelice – Deixe-me pensar: gostaria de tanta coisa. De ver os escritores atuando, por exemplo. De fazer um projeto onde os autores iriam subir no palco, com figurinos, luz, cenários. Isso seria bom e divertido. Mas eu não queria dirigir este projeto, não. Queria estar lá no palco, brincando de palavras com os colegas. Já fiz isso com Karina Rabinovitz no MAM. Toquei sanfona enquanto ela declamava poemas.Quero fazer isto mais vezes. Cantar, dançar e tocar a literatura. A literatura, para mim, tem que ser uma forma de felicidade.
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