19 de novembro de 2011

VÁRIOS DESEJOS DE UM RIO



*Esmeralda Ribeiro*

Eu não queria ter em mim
águas incertas
laços de tormentas
mares de castelos movediços
abismo obediente
nem saber que atrás de mim
há comportas com ninhos de serpentes.

Eu queria entender
esta cantiga de criança:
“A menina pretinha será rainha, olê, seus cavaleiros!
Mas está presa no castelo, olê, olê, olá!
E por que ela não foge?, olê, seus cavaleiros!
Mas com quem está a chave?, olê, olê, olá!”

Eu não queria ser levada
pela correnteza de rosa
rosa perfume sem porto
desse meu Rio interno da infância submersa.


Eu não queria ter em mim
mar vermelho, alquimia do tempo
corredeira freqüente
sina de fêmea
desejo no fogo da quimera
nem pérola d’olho em lágrimas.
Eu queria aprender o beabá
navegar no mar do conhecimento
meu corpo desvendado
mergulhar no meu rio
mas... aprendi a amar

não queria
proibidas lições de amor,
uma barriga lunágua
nem ficar ancorada em duvidas:
em meu ventre há uma boneca quebrada?
Como vou à escola?

Eu não queria ter
rosto à margem da multidão
a dor mergulhada no meu íntimo.

Eu queria ouvir
a cantiga cantada pela de menina de rua:
“A moça preta será rainha, olê, seus cavalheiros!
Mas está presa no castelo, olê, olê, olá!
E por que ela não foge? Olê, seus cavaleiros!
Mas com quem está a chave?olê, olé, olá!

Mas...
remo o choro em coro
correntezas incertas
balanço das águas desbastadas.

Não queria cair nas areias movediças do Touro,
Touro é valente.
Não queria ser levada
Pela correnteza de rosa
Rosa dilúvio sem âncoras
Desse meu rio adolescente subterrâneo.


Eu queria
onda silenciosas dentro do meu rio
aqueles que batem e voltam
levando minhas barquinhas de sonhos.


Não queria
pensamentos ancorados em duvidas:
não tenho mais bonecas quebradas?
O amor que era vidro se quebrou?
Eu queria
depois de aplacar o vendaval,
depois de matar as travestidas baleias,
descansar no leito da noite.

Eu queria
mergulhar em meus sonhos para entender
a cantiga da menina de tranças:
“A mulher negra será rainha, olê, seus cavalheiros!
Mas está presa no castelo, olê, olê, olá!
E por que ela não foge? Olê, seus cavaleiros!
Mas com quem está a chave?olê, olé, olá!

Eu queria
onda silenciosas dentro do meu rio
aqueles que fazem
xuá, xuá,
desmanchando portas de areia
xuá, xuá...

Eu queria
desaguar no leito da noite
de manhã navegar no dia,
preparar o próximo mergulho
ou talvez desaguar em algum
happy end.
 Poesia para dias de consciência...

Um comentário:

Pedro Luso de Carvalho disse...

Paula,

O poema da Esmeralda Ribeiro tem uma forte mensagem, para não ser esquecida,

Gostaria de saber um pouco mais de Esmeralda, que não conhecia.

Abraços,
Pedro.