17 de dezembro de 2009

comecei minha construção...




LIVRO: A TROCA


Lygia Bojunga


Pra mim, livro é vida; desde que eu era muito pequena os livros me deram casa e comida.

Foi assim: eu brincava de construtora, livro era tijolo; em pé, fazia parede, deitado, fazia degrau de escada; inclinado, encostava num outro e fazia telhado.

E quando a casinha ficava pronta eu me espremia lá dentro pra brincar de morar em livro.

De casa em casa eu fui descobrindo o mundo (de tanto olhar pras paredes). Primeiro, olhando desenhos; depois, decifrando palavras.

Fui crescendo; e derrubei telhados com a cabeça.

Mas fui pegando intimidade com as palavras. E quanto mais íntimas a gente ficava, menos eu ia me lembrando de consertar o telhado ou de construir novas casas. Só por causa de uma razão: o livro agora alimentava a minha imaginação.

Todo dia a minha imaginação comia, comia e comia; e de barriga assim toda cheia, me levava pra morar no mundo inteiro: iglu, cabana, palácio, arranha-céu, era só escolher e pronto, o livro me dava.

Foi assim que, devagarinho, me habituei com essa troca tão gostosa que no meu jeito de ver as coisas é a troca da própria vida; quanto mais eu buscava no livro, mais ele me dava.

Mas, como a gente tem mania de sempre querer mais, eu cismei um dia de alargar a troca: comecei a fabricar tijolo pra em algum lugar uma criança juntar com outros, e levantar a casa onde ela vai morar.


(Mensagem de Lygia Bojunga para o Dia Internacional do Livro Infantil e Juvenil, de 1984, traduzida e divulgada nos 64 países membros do IBBY).


Resolvi esta semana retirar a gramática do armário e encontrei o texto acima por entre as folhas. Não me lembro ao certo, mas creio ter sido distribuído por uma professora da faculdade que trabalhou conosco uma discíplina sobre leitura... resolvi partilhar!

3 comentários:

Iremar Marinho disse...

CONSTRUINDO COM LIVROS!

"Foi assim: eu brincava de construtora, livro era tijolo; em pé, fazia parede, deitado, fazia degrau de escada; inclinado, encostava num outro e fazia telhado."

Que belo isto! Paulo Freire adoraria ter conhecido esta sua experiência, claro, se tivesse vivido nesta sua época.

Abraços,

Iremar Marinho

Dolores disse...

Lembro-me do meu filho quando tinha uns 3 ou 4 anos de idade fazendo garagens para os seus carrinhos com os meus livros... Curiosamente, ele acabou cultivando o gosto pelos livros.É um bom leitor.

Pedro Luso de Carvalho disse...

Paula,

Uma maravilha você ter tido a sorte de ser criada entre livros, onde encontramos um mundo infinito para percorrê-lo.

Quem conhece esse mundo dos livros deve procurar sempre que possível ajudar outras pessoas a trilhar esse caminho.

Abraços,
Pedro