30 de março de 2011

A cor e a paciência de Braque, por JMDC

Por: José Maria Dias da Cruz


George Braque – A paciência

 
A cor é atualmente, dentro do pensamento verbal e dentro das lógicas decorrentes desse pensamento, impossível de ser racionalizada. No século XVIII criou-se um círculo cromático no qual as cores eram classificadas em primárias, secundárias e com valores absolutos, etc. com a pretensão de explicar todos os fenômenos cromáticos da Natureza e, assim, aprisioná-las dentro de uma mentalidade quantitativa na medida em que ficavam subordinadas às formas, estas mais racionais. Com isso, ficou eclipsada a possibilidade de se pensar as cores e o colorido fora do modelo imposto por este círculo. Além do mais, este círculo cromático é regido por uma lógica que criou os conceitos de cores puras, pastéis e neutras, e assim, atrelando as questões cromáticas ao discurso verbal. Dentro do pensamento plástico a cor é enigmática, portanto passível de ser percebida por uma outra lógica, como diz Cézanne, nada absurda.
Vale ressaltar que a partir desse círculo classificamos as harmonias em termos absolutos e em conseqüência, igualmente as cores. O mesmo em relação aos contrastes. Todos com valores absolutos e estáticos. Nesse círculo as cores são explicadas pelas misturas pigmentares, as quais foram mais tarde denunciadas por Duchamp. Claro, estudam-se alguns outros fenômenos como os contrastes simultâneos, por exemplo. Mas na base está um pensamento lógico, atualmente questionado, decorrente do discurso verbal. A partir desse círculo cromático classificaram-se as harmonias, por exemplo. Estas seriam consoantes, dissonantes e assonantes. (No pensamento plástico como a cor pode ser assonante ou neutra, vale dizer, uma não-cor?). Essas harmonias consideram uma mentalidade quantitativa, ou seja, explicam-se considerando ritmo como recorrência pressentida, que é racional e a cor ficando subordinada às formas. E assim bem longe do que Cézanne nos adverte: “Na natureza tudo está colorido.” A partir do círculo cromático absoluto ficamos presos à lógica aristotélica. Ou seja, à lógica do terceiro excluído, lógica esta que afirma que uma coisa não pode ser verdadeira e falsa simultaneamente. Esse círculo excluiu o que hoje nos é familiar, as incertezas.
Assim, fugindo deste aprisionamento, nos meus estudos descartei o círculo cromático que classifica as cores em primárias e secundárias. Descartando-se o círculo cromático absoluto, como, parece-me, também o fez Cézanne, passamos a considerar um terceiro termo. A dimensão espaço-temporal da cor, pelo rompimento do tom, que nos permite entender o cinza sempiterno como um pré ou pós-fenômeno. Vale dizer, um cinza que não existe, mas que se manifesta na natureza. Isso nos aproxima a cor e o colorido da lógica do terceiro incluído, sendo o terceiro um termo que se refere às diversas dimensões embutidas na fecha do tempo como informação.
Escrevi um livro intitulado A Cor e o Cinza utilizando-me, é claro, da linguagem verbal, me refiro ao conflito entre a percepção sensível e a linguagem. Neste livro, para reforçar a disparidade entre a cor e o nome que lhe dado, cito o filósofo Mário Guerreiro, que diz
“Sim, pois onde estão as cores puras no mundo percebido? Na verdade, elas pertencem ao mundo nomeável, mas esse mundo nomeado reparte o mundo percebido e o organiza de acordo com essa coisa enigmática que é o critério de relevância implícito na língua estruturada. Parece que se abre um abismo entre a percepção sensível e a linguagem, entre as qualidades percebidas e as qualidades nomeáveis, mas ficamos em dúvida se deveríamos concordar com a idéia de que o percebido só se faz passando pelo crivo na nomeação, como se a linguagem estivesse filtrando a percepção, canalizando-a no sentido de só poder captar certos padrões em detrimento de outros. Com certeza este é um problema que teria de ser colocado para uma fenomenologia, onde uma incursão nos domínios da pintura seria, certamente, bastante esclarecedora.”
Nesse sentido, podemos fazer com que haja uma convivência entre a percepção sensível e a linguagem verbal. Neste caso, consideramos a cor abstrata substantiva, que subsiste por si mesma na medida em que sua substância não se altera, é nomeável e é uma idéia platônica, e a cor concreta adjetiva, cuja condição é ser no colorido e está sempre se rompendo, possuindo uma dimensão temporal. Podemos, assim, lidar simultaneamente tanto com a percepção sensível e a linguagem verbal.
Procurei através do estudo das questões que os pintores discutiram chegar ao pensamento plástico. Apoiei-me em Poussin que se refere a um ver prospectivo, além de um outro que considera apenas o aspecto dos objetos. Por esse olhar prospectivo Poussin considera o saber do olho, os eixos visuais e as diversas distâncias. Braque diz que explicar uma coisa é substituir a coisa pela explicação. No meu livro caí, em parte, nessa sutil observação. Acabei substituindo a coisa pela explicação. Só me foi possível fugir desse impasse nas aulas, nas quais procurava um desenvolvimento do pensamento plástico no qual substitui a explicação pelo ato poético ao mostrar aos alunos a possibilidade de se ver prospectivamente. O ato de olhar permite a experimentação e, obviamente, o ato poético, criativo, etc.
Estudei, sobretudo, a obra de Cézanne que afirmou que a luz não existe para o pintor, e, conseqüentemente, tem que ser substituída por uma outra coisa, a cor. Portanto o mestre de Aix não se interessou pelo cromatismo impressionista. Disse mais ainda, que somente um cinza reina na natureza dificílimo de se alcançar. Não se trata obviamente de um cinza baseado na mistura do branco com o preto, pois esse não oferece nenhuma dificuldade. Digo que Cézanne nos preparou para pensar no cinza sempiterno, como passei a denominá-lo.
Cabe enfatizar, que o cinza sempiterno não existe, pois é um ponto sem nenhuma dimensão, mas potencialmente ativo, como um pré ou pós fenômeno. Acrescento agora que ele não é objetivo. Talvez seja apenas uma lógica. E mais, talvez nos faça compreender Cézanne quando ele afirma que a arte é uma religião. Ele, o cinza sempiterno, se manifesta na natureza. Será que podemos afirmar que essa manifestação pode nos levar a considerá-lo como uma manifestação de uma das faces de Deus? Fica esta questão a ser pensada...
Além dessas questões, incluiu-se na lógica da cor a questão do serpenteamento vinciano. Leonardo no Tratado da Pintura diz que devemos observar com muito cuidado os limites de qualquer corpo para julgar que suas voltas participam de curvaturas circulares e concavidades angulares, uma questão bem mais complexa do que afirmar, como se vê nas histórias das artes, que ele introduziu na pintura o esfumato. Este é apenas um procedimento e não uma questão teórica.
Sobre esta questão vale citar a famosa frase de Cézanne na qual ele reforça que tratar a natureza através do cone, esfera e cilindro não implica em uma geometrização considerando esses sólidos geométricos como os que possibilitam a construção do espaço pictórico tomando-os como formas históricas da construção deste espaço. Além do mais Cézanne afirmava que queria chegar à perspectiva unicamente pela cor. Interessante é que podemos compreender a afirmação de Duchamp na qual diz que o cubismo tem inicio em Cézanne, e passa pelo fauvismo, (em minha opinião, sobretudo por Braque).
Consideraríamos a geometria dos fractais, e novamente o cinza sempiterno, que estaria presente tanto no todo como nas partes. Assim em uma fração teríamos também um elemento contido no todo, no caso, o cinza sempiterno. Daí poder-se dizer que as partes são maiores que o todo. Consideraríamos, também, a teoria do caos, e a partir daí pensaríamos no processo contínuo de organização e desorganização, quando estados de entropia máxima são observados, o que metaforicamente nos levaria a considerar a questão de vida, morte e ressurreição.
Tudo isso nos permite realmente pensarmos em uma geometria das cores considerando-se entre outras a topologia na qual, além das transformações e deformações contínuas, o cinza sempiterno seria uma fronteira. Ou na geometria dos fractais e novamente aquele cinza lhe dá consistência.
Podemos imaginar também que essas surdas questões pertinentes ao pensamento plástico e, por extensão, às artes visuais, poderão, talvez, ser mais bem compreendidas pelas geometrias que hão de vir. Como, por exemplo, uma geometria das cores.

De resto há que se ter paciência.

Março de 2011


Este texto foi enviado pelo querido amigo Jose Maria para o Pesponteando. E como este é um cantinho em que todas as artes se somam, se pespontam e dão mais cores a minha colcha, é uma honra poder apresentar nestas páginas um pouco do seu pensamenteo e das suas teorias, José.... Bjs Paula

23 de março de 2011

Colcha de cordel

Está saindo do forno, ou melhor, dda máquina,  mais uma produção do cordelista Marco Haurélio, e o Pesponteando que gosta das coisas e da gente do sertão, se alegra e espalha a notícia. Convite de lançamento

O livro Meus romances de cordel traz sete títulos e abrange vários temas. Entre os textos, estão: O Herói da Montanha Negra (1987), A Briga do Major Ramiro com o Diabo (2005) e Os Três Conselhos Sagrados (2006).
Mas, para conhecer melhor a obra, leia o release abaixo, com texto do jornalista Guilherme Loureiro:

 
Meus romances de cordel, Marco Haurélio 


"Contrariando aqueles que pensam que, no Brasil, a literatura de cordel não existe mais ou tenha perdido a força da primeira metade do século XX, a Global Editora, ciente de que ela está mais viva do que nunca, lança Meus romances de cordel, de Marco Haurélio. Nesta obra, estão reunidos os primeiros cordéis publicados por esse poeta baiano, nascido em Ponta da Serra, estudioso da cultura popular e cordelista de primeira linha.
A apresentação é assinada pela professora Vilma Mota Quintela, doutora em Letras pela UFBA, com estágio doutoral na Universidade de Paris X, e mestre em Teoria Literária pela Unicamp, com dissertação e tese na área de literatura de cordel. A obra traz, ainda, xilogravuras do premiado ilustrador Luciano Tasso.
A multiplicidade de temas e de persona­gens construídos por seus escritores é um dos principais traços da literatura de cor­del praticada no Brasil. Além desse aspecto que demonstra sua diversidade – marca própria da nossa cultura po­pular –, o cordel também tem conseguido espaço e visibilidade graças ao es­tilo apurado de seus autores.
Meus romances de cordel reúne sete histórias que lograram grande sucesso na ocasião em que foram lançadas em folheto, formato consagrado por esse gênero de nossa poesia popular. Aqui reunidas, apresentam a profusão de ti­pos construídos pelo autor, incluindo des­de os tradicionais heróis marcados pela bravura até aqueles satirizados por seus gracejos e ingenuidades. Para construir suas narrativas, Marco Haurélio se inspirou tanto na leitura dos clássicos como em sua própria biografia, bebendo informalmente na rica fonte da cultura sertaneja nordestina. A escrita sensível e a capacidade de imaginar e de fazer imaginar do autor mostram que o cordel feito no Brasil tem um hábil ti­moneiro, que conduz o barco numa rota cer­teira e promissora. "


Quem quiser conhecer um pouco mais o trabalho do Marco Haurélio em prol da cultura popular bem como sobre suas obras, visite o blog  Cordel atemporal. O trabalho deste autor, demostra que a Literatura de Cordel está viva e atuante, dinâmica e rica. E isso se dá porque ela é a expressão cultural de um povo e não apenas de uma região como pensam alguns...

16 de março de 2011

É proibido.

Sabe aquelas mensagens lindas que recebemos de algum amigo via e-mail e cujo autor é alguém super conhecido no meio literário? Pois é, nem sempre são do "fulano" citado. semana passada recebi mais um deste, e como sempre, dou uma busca na rede para constatar a autoria ou verdade da coisa. Como a mensagem constava em todos os cantos, lá fui eu enviando para alguns amigos. Mas fui alertada por um amigo para a autoria. E o que fazer para esclarecer? A biblioteca da cidade provavelmente não me ajudaria, eu pouco conheço a obra do autor...Fiquei numa encruzilhada! Mas não desisti! Tentei, tentei até encontrar um site confiável que pudesse tirar a dúvida. Entrei no site da Universidade do Chile que mantém uma página sobre Pablo Neruda e neste, encontrei o site da Fundação Pabro Neruda. Enviei o questionamento. A resposta veio logo e a dúvida deu um adeuzinhoooo. Mas a beleza do texto permanece...

Mesagem recebida:

É Proibido

É proibido chorar sem aprender,
Levantar-se um dia sem saber o que fazer
Ter medo de suas lembranças.
É proibido não rir dos problemas
Não lutar pelo que se quer,
Abandonar tudo por medo,
Não transformar sonhos em realidade.
É proibido não demonstrar amor
Fazer com que alguém pague por tuas dúvidas e mau-humor.
É proibido deixar os amigos
Não tentar compreender o que viveram juntos
Chamá-los somente quando necessita deles.
É proibido não ser você mesmo diante das pessoas,
Fingir que elas não te importam,
Ser gentil só para que se lembrem de você,
Esquecer aqueles que gostam de você.
É proibido não fazer as coisas por si mesmo,
Não crer em Deus e fazer seu destino,
Ter medo da vida e de seus compromissos,
Não viver cada dia como se fosse um último suspiro.
É proibido sentir saudades de alguém sem se alegrar,
Esquecer seus olhos, seu sorriso, só porque seus caminhos se desencontraram,
Esquecer seu passado e pagá-lo com seu presente.
É proibido não tentar compreender as pessoas,
Pensar que as vidas deles valem mais que a sua,
Não saber que cada um tem seu caminho e sua sorte.
É proibido não criar sua história,
Deixar de dar graças a Deus por sua vida,
Não ter um momento para quem necessita de você,
Não compreender que o que a vida te dá, também te tira,
É proibido não buscar a felicidade,
Não viver sua vida com uma atitude positiva,
Não pensar que podemos ser melhores,
Não sentir que sem você este mundo não seria igual.
(Pablo Neruda)


Além deste texto não ser do Neruda, o texto original, segundo o prórpio Alfredo, sofreu modificaçãoes. Agora o texto original:


“QUEDA PROHIBIDO”, por Alfredo Cuervo Barrero



¿Qué es lo verdaderamente importante?,

busco en mi interior la respuesta,

y me es tan difícil de encontrar.

Falsas ideas invaden mi mente,

acostumbrada a enmascarar lo que no entiende,

aturdida en un mundo de irreales ilusiones,

donde la vanidad, el miedo, la riqueza,

la violencia, el odio, la indiferencia,

se convierten en adorados héroes,

¡no me extraña que exista tanta confusión,

tanta lejanía de todo, tanta desilusión!.

Me preguntas cómo se puede ser feliz,

cómo entre tanta mentira puede uno convivir,

cada cual es quien se tiene que responder,

aunque para mí, aquí, ahora y para siempre:

Queda prohibido llorar sin aprender,

levantarme un día sin saber qué hacer,

tener miedo a mis recuerdos,

sentirme sólo alguna vez.

Queda prohibido no sonreír a los problemas,

no luchar por lo que quiero,

abandonarlo todo por tener miedo,

no convertir en realidad mis sueños.

Queda prohibido no demostrarte mi amor,

hacer que pagues mis dudas y mi mal humor,

inventarme cosas que nunca ocurrieron,

recordarte sólo cuando no te tengo.

Queda prohibido dejar a mis amigos,

no intentar comprender lo que vivimos,

llamarles sólo cuando los necesito,

no ver que también nosotros somos distintos.

Queda prohibido no ser yo ante la gente,

fingir ante las personas que no me importan,

hacerme el gracioso con tal de que me recuerden,

olvidar a todos aquellos que me quieren.

Queda prohibido no hacer las cosas por mí mismo,

no creer en mi dios y hallar mi destino,

tener miedo a la vida y a sus castigos,

no vivir cada día como si fuera un último suspiro.

Queda prohibido echarte de menos sin alegrarme,

odiar los momentos que me hicieron quererte,

todo porque nuestros caminos han dejado de abrazarse,

olvidar nuestro pasado y pagarlo con nuestro presente.

Queda prohibido no intentar comprender a las personas,

pensar que sus vidas valen más que la mía,

no saber que cada uno tiene su camino y su dicha,

sentir que con su falta el mundo se termina.

Queda prohibido no crear mi historia,

dejar de dar las gracias a mi familia por mi vida,

no tener un momento para la gente que me necesita,

no comprender que lo que la vida nos da, también nos lo quita.

9 de março de 2011

A mulher: um triunfo poético

Imagem: Vicente Romero

Lembro-me, com um certo entusiasmo, do dia Internacional da Mulher. Ser humano ambíguo, diverso; criação dos deuses numa justa medida poética. De fato, as mulheres nos (re)inventam no silêncio da sua grandeza. A natureza ofertou-lhes inteligência e sensualidade: a terra é, sobretudo, energia feminina! Força em trânsito capaz de gerar a vida e multiplicá-la em suas ações cotidianas. Não hesito: há em cada mulher a dinâmica de Iansã, beleza e (en)canto que deslizam na complexidade da vida.

Agora, (re)visito as já tortas prateleiras da minha biblioteca e lá, entre o ofício das letras e a paixão pela leitura, estava eu a folhear algumas páginas de “A Mensageira das Violetas” da escritora portuguesa Florbela Espanca. Pequena antologia que há muito comprara em promoção numa das minhas andanças pelas cidades da Bahia. Aí estava a ler seus poemas e a imaginar a sua travessia de mulher poeta. Pude perceber, em seus versos, em tom marcadamente lírico-dramático, o entrelaçamento de tristezas e alegrias; inquietudes d’alma num jogo sedutor entre Eros (vida) e Tânatos (morte). Com efeito, entrega e recusa de uma mulher-símbolo do triunfo poético!

A noite avança e, sob a atmosfera lírica da obra da poetisa ou poeta, como queiram chamar os caros leitores, recordo-me de alguns versos dos quais ecoam cantos de dores amorosas, de paixões de um ser-mulher sujeito e objeto dos seus desejos além da carne, do óbvio e da mediocridade falocêntrica.

Ela, Florbela, assim como as operárias da indústria têxtil de Nova York, gritou para o mundo suas angústias e utopias. Enfim, movida por suas inquietudes humanas, a tecelã de palavras escreveu nas páginas dos sonhos e das lutas a liberdade de ser e estar-no-mundo. Nada tarda, envolto pelo prazer da leitura, (re)encontro outros livros da poeta, como Livros de mágoas (1919); Livro de Sóror Saudade (1923); Charneca em flor (1937); Cartas de Florbela Espanca (1931); As máscaras do destino (1931); Sonetos Completos (1934); Diário do último ano (1981); O dominó preto (1982) e Trocando Olhares (1994- Edição de Maria Lúcia Dal Farra).

Assim, por entre os fios tênues da razão, permiti-me sentir mais humano no intervalo de cada página virada. Por alguns instantes, notei que, sobre a mesa, os filetes prateados da lua misturavam-se ao escarlate do vinho. Daí as lembranças, ao traçar estas linhas, do aroma das mulheres que valsam fora e dentro de mim. E logo, numa aura de saudades e devoção, li o poema “Ser Poeta”:

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior

Do que os homens! Morder como quem beija!

......................................................

É Ter mil desejos e esplendor

E não saber sequer que se deseja!

É Ter cá dentro um ar que flameja,

É Ter garras e asas de condor!

O que dizer, senão recordar das mulheres guerreiras de 1857, vítimas do imperialismo patriarcal. Cidadãs desafiadoras que tatuaram com sangue a história. Suas vozes vibráteis amalgamaram-se ao fogo e arderam em “mil desejos e esplendor” com intuito de fazer dessa Nova Era um espaço em que ser mulher, como sublinha a escritora lusitana, é “ter garras e asas de condor”. É carregar dentro de si o espírito solar com um desejo permanente de transformação planetária.

Em suma, sigamos, homens e mulheres, de mãos dadas! Brindemos a vida e modulemos os nossos sonhos. Porque há cinzas, espelhos, labirintos, assombros, nela, Florbela, tão bela. Deito-me e o mar habita nos poros mais secretos da mulher. O mar e a mulher onde misturam-se delicadeza e crueldade, mansidão e violência num bordado em cujas redes entrelaçam-se sentidos e revelações em tom de poesia.

Adriano Eysen

Recebi este texto do prof. Adriano e resolvi partilhar com os amigos.